Corrupção e Justiça
“A
justiça consiste em dar
a cada um o que é seu.”
Ulpiano
O Brasil vive período
singular de sua
história. Bom ou mau?
Depende do ângulo pelo
qual se veja.
Seria, há bem pouco
tempo, inimaginável a
presença de tantos
grandes empresários,
políticos,
ex-governantes e
parlamentares presos, ou
para cumprir penas já
aplicadas ou,
preventivamente, como
garantia de
investigações em curso.
Uma forma de ver a
questão pode conduzir à
conclusão de que nunca
houve tanta corrupção e
que vivemos período de
degradação moral em
níveis jamais
registrados. Outra,
contudo, permite
vislumbrar
transformações,
inspiradas justamente na
melhor capacitação de
parte do cidadão e da
sociedade, de cobrar do
poder estatal mais
eficiência e efetividade
na apuração e
responsabilização de
seus agentes e daqueles
com os quais, em nome do
estado, eles se
relacionam, diante de
práticas moralmente
reprocháveis. Práticas,
aliás, historicamente
toleradas ou mantidas
impunes. Muitos dos
delitos ora levantados
apontam exatamente para
essa realidade: o estado
até aqui foi leniente
com alguns tipos de
corrupção, presentes em
sua cultura desde os
primórdios da história
pátria. Ou, no mínimo,
manteve-se desaparelhado
para essa delicada
função, que exige o
refinamento da virtude
republicana da
independência dos
poderes e do
reconhecimento da
igualdade entre seus
cidadãos.
Essa última
interpretação, mais
consentânea com o
refletir espírita,
sinaliza avanços
institucionais e, logo,
morais. A indignação,
hoje claramente expressa
pela sociedade, começa a
operar transformações
que vão desde o
aprimoramento da
legislação, ou da
efetiva aplicação de
estatutos legais já
existentes, ao melhor
aparelhamento dos
organismos públicos na
persecução criminal,
atingindo a todos, sejam
quem forem os
transgressores.
A filosofia espírita,
nascida em período
histórico em que se
estruturaram
concretamente conquistas
do chamado estado de
direito, vê o processo
civilizatório como
evidência de avanço
moral da humanidade.
Assim, a 3ª parte de
O Livro dos Espíritos
arrola a lei do
progresso, a lei de
igualdade e a lei de
justiça como leis morais
presentes na natureza e
incrustadas na própria
consciência do ser
humano, mas só
desenvolvidas e
convenientemente
aplicadas mediante o
avanço civilizatório e
na medida em que, no ser
humano, “a moral estiver
tão desenvolvida como a
inteligência” (questão
791).
O exercício da justiça,
numa perspectiva
filosófica espírita,
alinha-se a antigas
tradições humanistas. A
clássica figura de uma
deusa grega trazendo os
olhos vendados e
portando em uma das mãos
a espada e, na outra, a
balança, símbolo milenar
da equidade e da
isonomia, evoca o ideal
ético de se tratar a
todos com igualdade,
independentemente de seu
poderio econômico, de
sua posição social ou
política. A consciência
coletiva de que a
justiça,
necessariamente, deva
ser aplicada cegamente é
indício do atingimento
de um status
civilizatório do qual
estivemos distantes, em
anteriores períodos.
Há sinais de que temos
avançado nessa
caminhada, com ênfase
para fatos ocorridos
nesta última década. A
uma coisa, entretanto,
devemos estar atentos: é
imprescindível vigiarmos
para que nossas
preferências ou
comprometimentos
políticos ou ideológicos
não incidam no
julgamento pessoal que
fazemos acerca dos
cidadãos envolvidos em
todos esses escândalos
que vêm à tona. Somos
também, de certa forma,
como integrantes de uma
sociedade que, cada vez
mais, se utiliza de
mecanismos massivos de
comunicação, juízes de
cada uma dessas causas.
A opinião pública também
pesa na balança da deusa
grega que simboliza a
justiça. Tanto quanto
ela, devemos manter os
olhos vendados àqueles
fatores
político-partidários,
ideológicos ou
corporativos, tendentes
a nos levar a juízos
discriminatórios,
impeditivos de uma
justiça que cumpra o
preceito universal de se
dar a cada um o que é
seu.
Nossos posicionamentos
pessoais, assim como o
justo agir de cada
cidadão, são fatores
importantes a ditar e a
estruturar os padrões de
justiça da nação. Todos
somos responsáveis.
Milton R. Medran
Moreira, advogado e
jornalista, é presidente
do Centro Cultural
Espírita de Porto
Alegre.