Na seção de Cartas da edição
423 de nossa revista
publicamos a mensagem
abaixo, que nos foi enviada
por Silvio Fonseca, de
Ilhéus (BA):
O maior site literário
brasileiro lançou uma
pergunta: Romance espírita é
literatura? Creio que seria
interessante lerem e, se
necessário, comentar.
http://literatortura.com
Silvio
A indagação faz parte de
certos devaneios de alguns
pensadores que entendem que
romance só pode ser assim
classificado se for obra
ficcional. Ora, se
estivermos diante de uma
história bem contada e
redigida com elegância, que
importa o rótulo? Literatura
não se faz somente com
ficção. No tocante à
literatura brasileira, quem
poderia negar a imponência e
a elegância de obras como Os
Sertões, de Euclides da
Cunha, e o não menos notável Memórias
do Cárcere, de
Graciliano Ramos? “Não se
trata de romance” – alguém
argumentará. Diremos, então:
- Que importa?
Sobre o assunto, recebemos
do escritor e médium
Eurípedes Kühl, que é também
colaborador de nossa
revista, o texto abaixo
transcrito:
“Curioso ante a sugestão
para que os colaboradores da
revista O Consolador
e os editores espíritas
comentassem a proposição do
e-mail de Silvio Fonseca
(Ilhéus/BA) contida no nº
423 da referida revista,
datada de 19.Jul.15,
abalanço-me a meter o
bedelho na discutida
questão, mesmo entre
espíritas, se o romance
espírita é ou não
literatura.
Como faço parte da turma que
como médium psicógrafo
escreve livros espíritas e
também romances, deixo aqui
minha opinião sobre a
instigante pergunta: Romance
espírita é literatura?
Li as reflexões contidas no
link
http://literatortura.com,
citado pelo leitor.
Encontrei no referido link
análise de Luiz Antônio
Ribeiro sobre o romance
espírita: A literatura
espírita não depende apenas
do romance e da sua
linguagem para a fruição:
ela necessita, a priori, de
fé. Caso você não acredite
no dogma por trás dela,
aquela história não fará
sentido. Ela, obviamente,
não é um inutensílio. Ela
parte de pressupostos
básicos: existe vida após a
morte, existe reencarnação,
existe carma e os mortos
voltam para se comunicar com
os vivos, inclusive através
de médiuns. Assim, ela tem
um objetivo claro que é, por
trás da história, propagar e
adaptar um conjunto de
crenças religiosas e
metafísicas dentro de uma
narrativa ficcional. Os
romances espíritas são, em
geral, psicografados,
relatados e contatos por um
espírito para uma pessoa.
Eis o maior ponto de fé e o
que mais me coloca em
confronto com o romance
espírita. Afinal de contas,
qual o interesse de um
espírito em contar histórias
ficcionais ou novelescas?
Quanto às reflexões exaradas
no link, para um não
espírita, são corretas.
Porém, na minha opinião,
incompletas: primeiro,
porque demonstra
desconhecimento do que leva
o autor espiritual a
repassar o texto; segundo,
porque quem não milita na
atividade literária espírita
desconhece a(s)
resultante(s) da leitura de
um romance espírita.
De início, para responder
sobre o ‘interesse de um
espírito em contar histórias
ficcionais ou novelescas’,
passo a palavra para a
inolvidável médium
psicógrafa Yvonne do Amaral
Pereira (1900-1984),
dissertando no VI capítulo
(Romances Mediúnicos) do seu
livro “Devassando o
Invisível”, 9ª Ed., 1994,
FEB, Brasília/DF, e que ora
sintetizo:
(...) O móvel dos romances
espíritas é a propaganda da
Doutrina por meio suave e
convidativo, tributando os
Instrutores Espirituais
grande apreço a essas obras,
por julgá-las imensamente
úteis em virtude dos
exemplos vivos oferecidos
aos leitores. Conquanto os
Espíritos-Guias deem
preferência à parte
doutrinária, à moral elevada
que vemos presidindo a tudo
quanto a Revelação Espírita
tem concedido generosamente
aos homens, também
observamos que jamais se
descuram eles de
embelezá-las com os traços
vigorosos de uma Arte pura,
elevada e, por assim dizer,
celeste.
E, para complementar a
resposta, acrescento, de
minha parte, o que observei
nos meus longos anos de
convivência com leitores,
espíritas ou não, de livros
espíritas em geral, e em
particular, de romances:
- se adeptos ao Espiritismo,
neles confirmam seu
pensamento referente às
vertentes expostas,
geralmente com foco na
evolução espiritual, através
da pacificação alcançada nas
multiplicadas existências
terrenas (reencarnações),
cujo objetivo principal é a
evolução espiritual, e em
paralelo, aparar arestas
junto àqueles a quem tenham
prejudicado em vidas
passadas;
- quanto aos que
eventualmente leem um ou
mais livros ou romances
espíritas, psicografados ou
não, e nada sabem do
Espiritismo, ou sabem pouco,
ou ainda até mesmo os
rechaçam, captando a lógica
da argumentação sobre a
Justiça Divina,
transubstanciada na Lei de
Ação e Reação, ou ‘choque de
retorno’, passam a ter nova
e instigante hipótese de
trabalho mental, ao verem
expostas nuances até então
desconhecidas, justificando
com irretorquível lógica a
infalibilidade da Bondade de
Deus;
- a razão passa a ser
convidada a refletir e
entender o porquê de tantas
dificuldades da vida, dores,
dramas, tragédias (pessoais
ou coletivas), angústias,
próprias ou de outrem, além
de fatos do dia a dia
considerados ‘injustiça
divina’...
- dessa reflexão surge a
resignação, como abençoado
bálsamo para quaisquer
dores, físicas ou morais,
fruto da comparação da sua
própria situação com a de um
ou mais personagens da
narrativa; é quando até
mesmo nos leitores mais
radicais eclipsa-se-lhes na
razão eventual niilismo
nietzscheriano, então
substituído no coração por
amor e gratidão à
Providência Divina.
Finalizando, declaro que
sim: o romance espírita tem
assento cativo na
literatura!”
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