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Crônicas e Artigos

Ano 9 - N° 427 - 16 de Agosto de 2015

ROGÉRIO COELHO
rcoelho47@yahoo.com.br
Muriaé, MG (Brasil)

 


A carne é o barro;
o espírito é o oleiro

Em nossa mais íntima estrutura existe a nossa
individualidade incorruptível
 

“Teu Espírito é tudo; teu corpo é simples veste que apodrece: eis tudo.”
-  
O Livro dos Espíritos – q. 196-a 

 
Lembra-nos Teresa d`Ávila que cada homem plasma seu destino de acordo com a própria vontade, utilizando-se da vida corpórea como divina argila com a qual modela o seu futuro.

“A cada um será dado de acordo com as suas obras”, já vaticinava o Meigo Rabi, consoante anotações de Mateus Levi, capítulo 16, versículo 27.

Portanto, conforme sugestão de Teresa d`Ávila, temos que fazer da existência um vaso sagrado, no qual a Divina Bondade possa depositar os recursos de Sua manifestação.

Face às dificuldades inerentes ao meio material em que vivemos, com suas exigências de ordem íntima e externa, não podemos perder o contato com os mananciais da Espiritualidade, vivendo na carne, mas não nos escravizando a ela, pois tudo o que nos rodeia é impermanente, transitório... Destarte, não podemos nos iludir com o “canto de sereia” da matéria.

Farias Brito[1] nos convida a alçar o voo do Espírito, nas regiões alcandoradas do Infinito, bem acima do quadro conceptual da vida em si mesma ao ensinar que: “(...) Dentro do universalismo que a morte nos descerra, a consciência jungida à carne terrena é crisálida da Inteligência Infinita, em cuja grandeza o nosso ‘eu’ se dilui e se amesquinha, aguardando a possibilidade de vir-a-ser, na expectativa da herança divina...”

Aquele “tudo flui” da filosofia grega patenteia-se claramente aos nossos olhos, quando, de ângulo mais alto no edifício dos fenômenos, podemos observar o contínuo evolver de tudo o que nos rodeia a atividade terrestre. Tudo no mundo é transformação e renovação; e o homem psíquico, diante do porvir glorioso a que se destina, é, ainda, a larva mental no ventre da Natureza.

Conhecermo-nos é o primeiro dever imposto pela razão pura; penetrar a essência da nossa mais íntima estrutura, para descobrir nossa individualidade incorruptível, investindo-nos na posse de nossos títulos morais constitui o passo fundamental para o engrandecimento filosófico, dentro do qual resolveremos os antigos e sombrios enigmas da alma humana.  

Ocioso, assim, é encarecer agora os estéreis conflitos da ideia ou da palavra, de que já nos libertamos: Comentar o criticismo de Kant ou o positivismo de Auguste Comte, quando a flor do nosso entendimento desabrocha noutros climas, seria o mesmo que exigir à planta o recuo à bolsa escura do solo, onde o gérmen desintegrou os efêmeros envoltórios da semente.

Disse Berkeley que toda a realidade jaz encerrada no Espírito; e não tenho hoje maior novidade além desta. O progresso do homem e a purificação da Alma representam, no fundo, expansão da consciência. A mente encarnada é ponto minúsculo da Mente Universal, conservando estreita analogia com a célula aparentemente perdida no edifício orgânico, em cuja sustentação desempenha funções específicas. Contida na totalidade, mantém o potencial da grandeza cósmica, com deveres de maturação e burilamento; porque, somente além da catarse laboriosa de si mesma, consegue transcender o tipo normal de evolução no Planeta; então, alarga-se em sensibilidade e conhecimento, dilata seu raio de ação em círculo cada vez mais vasto, supera as qualidades inerentes aos padrões vulgares em que se desenvolve, e os ultrapassa, assim se aproximando da glória imanente do Todo. 

  Não há vida sem morte, nem expansão sem dilaceramento. A santificação em alicerces do saber e da virtude é obra de crescimento, de esforço, de luta...  O “outro mundo” é esfera de matéria quintessenciada, em que nossas qualidades se destacam. Não existe milagre. Os únicos mistérios do Céu e do Inferno palpitam em nós mesmos. A vida é onda contínua e inextinguível a manifestar-se em diversos planos; e a individualidade é um número consciencial que, ou se ilumina, afinado com os valores de sublimação, ou se obscurece, em contacto com os fatores de embrutecimento a que se prenda, em vibrações de baixa frequência.  Cada Alma sente e atua pelo grupo de seres em ascensão ou em estagnação a que se incorpore, na economia do Universo. O mundo, com os seus múltiplos departamentos educativos, é escola onde o exercício, a repetição, a dor e o contraste são mestres que falam claro a todos aqueles que não temam as surpresas, aflições, feridas e martírios da ascese.  E dentro dele, na atualidade das pesquisas filosóficas em que procuramos eleger a psicologia para sentar-se no trono da ciência e legislar sobre os seus princípios e indagações, o Espiritismo, banhado pelas claridades do Evangelho, é o melhor caminho de elevação e a fórmula mais simples de auxiliarmos o pensamento popular e o sentimento comum, no serviço regenerativo, em função de aperfeiçoamento. 

Tem toda razão Inácio Bittencourt ao afirmar[2] que “(...) é muito difícil para nós, os encarnados, compreendermos o que se passa na vida Espiritual. As ilusões da vida comum são demasiado espessas para que o raio da verdade consiga varar, de pronto, a grossa camada de véus que envolvem a mente humana. Há vastíssima classe de pessoas que se agarram às situações interrompidas pelo túmulo com o desespero somente comparável às crises de demência total. Para nós, entretanto, que possuímos algum discernimento, por força da autocrítica, que não somos nem santos nem criminosos, as impressões iniciais de além-túmulo são de quase aniquilamento. Só então percebemos a nossa situação de átomos conscientes”.

“Francamente” – continua Inácio Bittencourt2 -, “hoje creio que um homem, dentro do nosso reino solar, é, comparativamente, muito menor que uma formiga no corpo ciclópico da montanha onde se oculta. Sentindo-nos, assim, quase na condição de ameba pensante, somos, depois do transe carnal, naturalmente constrangidos a singulares metamorfoses do senso íntimo. Sempre nos supomos figuras centrais no mundo e acreditamos ingenuamente que o nosso desaparecimento perturbará o curso dos seres e das coisas; contudo, no dia imediato ao de nossa partida, quando é possível observar, reparamos que os corações mais afins com o nosso providenciam medidas rápidas para a solução de quaisquer problemas nascidos de nossa ausência. Mas se deixamos débitos sob resgate, pensamentos pungentes daí se desfecham sobre nós, cercando-nos de aflições purgatoriais; e se algum bem material legamos aos descendentes, é preciso invocar a serenidade para contemplarmos sem angústia os tristes aspectos mentais que se desenham ao redor do espólio. A vida, porém, prossegue imperturbável, e nós precisamos acompanhar-lhe o ritmo na ação renovadora e constante.

Somos, assim, atribulados por enormes problemas. Não será mais possível prosseguir com as ilusões a que nos agarrávamos entre os conceitos provisórios e os títulos convencionais, e nem podemos, de imediato, penetrar nos serviços da Espiritualidade Superior, por nos faltarem credenciais de luz íntima, com o amor e a sabedoria por bases. Resta-nos, pois, diante das transformações inelutáveis da morte, recomeçar humildemente aqui o velho curso de aperfeiçoamento moral, reaprendendo antigas lições de simplicidade e de serviço e, quando nos comunicamos entre os homens de boa vontade, é natural não sejamos os Espíritos iludidos de ontem, mas os discípulos da Verdade, no presente imperecível, edificados na integração mais perfeita com os princípios de Jesus, nosso Mestre e Senhor, não obstante a nossa demora multissecular em pleno jardim da infância”.

Vianna de Carvalho nos convida a fitar as estrelas que cintilam nas alturas e seguir adiante ao encontro de novo dia; e completa[3]: “(...) Erga uma prece à Esperança, o gênio da luz que nos permite antever o porvir imenso; recolha-se à oração e ela virá, doce e infatigável enfermeira, balsamizar-lhe as chagas interiores e sustentar-lhe as energias semimortas. Atenda-lhe o apelo carinhoso e prossiga sem desfalecimento; não se deixe embotar pelo entorpecente elixir da inércia ou o fel corrosivo do sofrimento; aceite as sugestões do gênio amigo e reflita... Sentirá no próprio coração dores maiores que a sua, os pavores dos grandes infelizes, as úlceras cancerosas de milhões que, até agora, você não conseguira ver. Então, inefável consolo baixará do Céu sobre a sua dor, aquietando-lhe a ânsia; inexprimíveis sentimentos desabrocharão em seu Espírito, e seus braços se abrirão para acolher as ignoradas mágoas dos seres mais humildes da Terra.

Nem todos sabem avaliar a Esperança, essa virtude celeste. Muitos a transformam em vinagre de impaciência ou em tortura mortal, convertendo-lhe a bênção em estilete da enfermidade.  Felizes, porém, daqueles que lhe guardam a sublime claridade no imo do Espírito, porque verão a sabedoria do tempo, adquirindo com a vida a ciência da paz.

Espera! Diz a noite, o dia voltará... Espera! Clama a semente, o fruto não tarda...  Espera! — Anuncia a justiça — e tudo recomporei.

Bem-aventurados, pois, quantos no mundo sabem aprender, servir e esperar!” 


 

[1] - XAVIER, Francisco Cândido. Falando à Terra. 3. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1974, p. 219-222.

[2] - XAVIER, Francisco Cândido. Falando à Terra. 3. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1974, p. 223-226.

[3] - XAVIER, Francisco Cândido. Falando à Terra. 3. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1974, p. 227-228.


 

 


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