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Crônicas e Artigos

Ano 9 - N° 433 - 27 de Setembro de 2015

CLÁUDIO BUENO DA SILVA
Klardec1857@yahoo.com.br
Osasco, SP (Brasil)

 

 

Fernando de Lacerda, 24 anos antes do Chico


“Foi através da leitura da impressionante obra Do País da Luz, psicografada por Fernando de Lacerda [...]­­­­ que encontrei resposta a muitas perguntas que fazia a mim mesmo e para as quais não encontrava resposta, tais como: por que Deus consentia que houvesse tanto sofrimento humano?”

Essas palavras são de Hermínio C. Miranda no livreto biográfico Fernando de Lacerda: o Homem, o Médium! ¹, editado em Portugal, sobre a figura ímpar do médium português. Pouca gente conhece, aqui no Brasil, o seu trabalho extraordinário. Pouco se ouve falar dele. A Federação Espírita Brasileira editou Do País da Luz em volumes numerados de um a quatro, que podem, perfeitamente, ser lidos de forma descontínua, independentemente da ordem sequencial. 

COMO TUDO COMEÇOU 

Fernando Augusto de Lacerda e Melo nasceu em Loures, arredores de Lisboa, Portugal, em seis de agosto de 1865 e morreu no Rio de Janeiro a sete de agosto de 1918.

Funcionário público, exerceu a função de inspetor da polícia civil de Lisboa no regime monárquico. Com o advento da república, sofreu perseguição política e religiosa, sendo aconselhado por Espíritos amigos a mudar-se para o Brasil, o que fez em 1911.

Tornou-se trabalhador espírita dedicado desde a noite de 28 de outubro de 1906, quando o Espírito Camilo Castelo Branco lhe ditou comunicação publicada, depois, no primeiro volume de Do País da Luz. Na introdução desse primeiro volume, Fernando de Lacerda conta que há muitos anos escrevia sobre coisas que desconhecia, alheias à sua vontade e até ao seu modo de ver e ser.

Naquela noite, ao deitar-se, o médium pareceu ouvir algo assim como um recado que devesse dar ao escritor português Silva Pinto, grande amigo de Camilo. Por mais que tentasse fixar a atenção no que lhe diziam, Fernando não conseguia captar a mensagem de forma compreensível. A voz, porém, insistia: “Tem paciência. Levanta-te e vai escrever”.

Dirigiu-se o médium ao seu escritório, julgando que lhe seria ditado o recado, apenas. Mas, na realidade, acabou psicografando uma longa carta assinada pelo autor suicida Camilo Castelo Branco, dirigida ao escritor e polemista Silva Pinto, que, por essa época, alimentava a ideia de suicidar-se. Tratava-se de veemente e comovedor apelo ao velho amigo, a quem muito influenciara com suas ideias negativas e céticas sobre a vida, para que reformulasse o seu julgamento.

Após esse episódio, o médium Lacerda recebeu páginas brilhantes de Eça de Queirós, Antero de Quental, João de Deus, Napoleão Bonaparte, Júlio Diniz, Alexandre Herculano, Basílio da Gama, Almeida Garret, Padre Antonio Vieira, Latino Coelho, Tolstoi, Émile Zola e outros. Cada qual com letra e estilo próprios. 

MEDIUNIDADE MULTIFORME 

Fernando de Lacerda descobriu sua mediunidade aos 34 anos de idade, e de uma forma insólita. Um Espírito, desafeto seu, dirigiu-lhe mensagens psicográficas violentas, usando termos ofensivos. Essas mensagens, escritas pelo próprio Fernando, traziam a letra e assinatura do Espírito, a fim de que o médium novato não tivesse dúvidas de quem se tratava... Só depois de afastada a entidade de má índole (o que levou muito tempo) é que os grandes vultos da literatura se manifestaram pela sua psicografia.

Em 1932, Francisco Cândido Xavier lançou Parnaso de Além-Túmulo, livro de grande impacto que deu início à sua imensa tarefa na literatura mediúnica. Vinte e quatro anos antes, em 1908, a publicação do primeiro volume do livro Do País da Luz teve igual repercussão em Lisboa. Mas com o lançamento da obra, assinada por grandes expoentes das letras portuguesas e de outros países, a polêmica se estabeleceu. Eram autênticas as mensagens? Eram mesmo Eça, Camilo, Herculano e todos os outros? Os grandes escritores voltavam do Além para falar-nos? A imprensa comenta o fato com estardalhaço. O clero católico se movimenta. A edição se esgota rapidamente.

Fernando de Lacerda era dotado de vários tipos de mediunidade, como clariaudiência, vidência, cura, e executava a chamada psicografia especular (especulum=espelho), cujo texto obtido (escrito da direita para a esquerda ou, às vezes, de baixo para cima) deve ser lido com ajuda de um espelho. O médium também se prestava muito à poligrafia, onde os textos surgem com letra e assinatura próprias de cada autor, fenômeno não muito comum.

Na psicografia era médium mecânico, segundo a classificação de Allan Kardec, pois sua mão escrevia enquanto sua mente se ocupava de coisas inteiramente diversas, como leitura e conversação. 

MAGNETISMO SOBRE DELINQUENTES 

Além dos recursos mediúnicos, o psicógrafo português possuía um magnetismo impressionante. Seu domínio espiritual sobre os delinquentes (era policial), mesmo sobre os mais agressivos, era de espantar. Há um caso que ficou célebre em Lisboa. Havia um homem de nome Albano de Jesus, que desde criança sofria estranhos “ataques” que chegavam a durar oito horas consecutivas, e cuja causa era ignorada pelos médicos. Apelidaram-no de “Homem-macaco” porque seu corpo, durante as crises, assemelhava-se ao de um gorila, adquirindo agilidade admirável. Subia, então, em altos monumentos públicos ou pulava, furioso, de telhado em telhado. Ninguém lhe punha a mão. No entanto, assim que Fernando de Lacerda chegava, Albano, em transe, vinha manso ao seu encontro, diante do povo pasmado. E o médium, magnetizando-o imperceptivelmente, conseguia afastá-lo do domínio da entidade espiritual.

Certa vez, dialogando com Camilo Castelo Branco sobre as técnicas da relação mediúnica entre os dois, o escritor famoso disse ao médium: “Não te desconsoles, porém. Na tua ignorância, sabes mais do que quase a totalidade dos sábios do mundo, porque sabes o que é preciso saber. O que eles sabem não serve para aqui e o que serve para aqui não sabem eles”.

Fernando de Lacerda viveu 53 anos. Desde os 20 já se envolvia com questões comunitárias, socorrendo os aflitos, ensinando analfabetos. No Brasil, para onde veio em 1911 viver no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, teve boa acolhida. E, nos 7 anos que viveu neste país, integrou-se à comunidade espírita e continuou servindo à causa durante os derradeiros anos de sua encarnação. Morreu em 1918 e foi sepultado no cemitério São João Batista, no Rio. Sua biografia diz que “Era alto, corpulento, tinha os cabelos ralos e grande bigode. Andava sempre bem-vestido. Era alegre, conversador e possuía um coração generoso”, muito generoso...

Mostrou seu belo caráter e sincera humildade quando disse: “Isto não é produto da minha inteligência, não fui eu que ditei estes escritos, eu fui apenas o instrumento duma inteligência alheia; portanto, o mérito não me pertence”. Encarou seu trabalho com o mesmo desprendimento e humildade que veríamos mais tarde em Chico Xavier, ao ouvi-lo dizer: “Sou um simples médium como qualquer outro”.

 

Nota: Camilo Castelo Branco, em Memórias de um Suicida, psicografado por Yvonne do Amaral Pereira, refere-se ao médium português como “nosso agente fiel e porta-voz sincero – isto é, um médium, um iniciado cristão da Terceira Revelação, por nome Fernando”. E diz mais: “Fernando age com generosidade em relação aos encarcerados e sentenciados, aos quais assiste e serve, infundindo-lhes esperança e calma. Coração boníssimo, piedoso como ele só, cativa-me com sua atenção e preces”.

¹Fernando de Lacerda: o homem, o médium!, por Hermínio C. Miranda/Carlos A. Bacelli, Edições Luz do Caminho, Braga, Portugal, 1989. A Biblioteca do Instituto Espírita Obreiros do Bem, de Osasco, SP,possui um exemplar deste livro em seu acervo.

Leia mais sobre o tema em: Kardec, Irmãs Fox e outros, Jorge Rizzini, EME Editora, 1994.

 

 


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