Após o falecimento de sua
mãe, Chico Xavier foi morar
com uma madrinha, Rita de
Cássia, amiga da família.
Na casa vivia Moacir, primo
de Chico. Um dia, Moacir
apareceu com uma ferida na
perna esquerda. Como o
machucado não cicatrizava, a
madrinha, preocupada com o
sobrinho, mandou chamar dona
Ana Batista, uma benzedeira
de Matuto, hoje Santo
Antônio da Barra, cidade
vizinha de Pedro Leopoldo.
A curandeira examinou o
ferimento e aviou a receita.
Só uma simpatia daria jeito.
Uma criança deveria lamber a
ferida três sextas-feiras
seguidas, pela manhã, em
jejum.
- Chico serve? perguntou a
madrinha.
O garoto ficou em pânico.
Correu para debaixo das
bananeiras e ouviu o
repetido conselho de sua
mãe:
- Você deve obedecer. Mais
vale lamber feridas que
aborrecer os outros. Você é
uma criança e não deve
contrariar sua madrinha.
- E isso vai curar o Moacir?
- Não, porque não é remédio.
Mas dará bom resultado para
você, porque a obediência
acalmará sua madrinha.
Chico perdeu a paciência.
Por que sua mãe não voltava
para casa? Onde estava o tal
anjo bom? A aparição acalmou
o menino:
- Seja humilde. Se você
lamber a ferida, faremos o
remédio para curá-la.
No dia seguinte, pela manhã
e em jejum, Chico iniciou a
missão. Fechava os olhos,
pedia forças à mãe e lambia
a perna do garoto. O gosto
era amargo e ele só queria
ter a língua maior para
acabar logo com o suplício.
Na terceira sexta-feira, o
ferimento estava
cicatrizado. Pela primeira
vez, Rita de Cássia elogiou
o afilhado:
- Muito bem, Chico. Você
obedeceu direitinho. Louvado
seja Deus.
O menino não sabia, mas
passaria a vida lambendo
feridas alheias.
Do livro As Vidas de
Chico Xavier, de Marcel
Souto Maior, 2ª edição,
Editora Planeta do Brasil,
2003.
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