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Correio Mediúnico
Ano 9 - N° 437 -25 de Outubro de 2015
 
 

 

Há um século

Hilário Silva


Allan Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita, naquela triste manhã de abril de 1860, estava exausto, acabrunhado.

Fazia frio.

Muito embora a consolidação da Sociedade Espírita de Paris e a promissora venda de livros, escasseava o dinheiro para a obra gigantesca que os Espíritos Superiores lhe haviam colocado nas mãos.

A pressão aumentava...

Missivas sarcásticas avolumavam-se à mesa.

Quando mais desalentado se mostrava, chega a paciente esposa, Madame Rivail - a doce Gaby -, a entregar-lhe certa encomenda, cuidadosamente apresentada.

O professor abriu o embrulho, encontrando uma carta singela. E leu: 

“Sr. Allan Kardec:

Respeitoso abraço.

Com a minha gratidão, remeto-lhe o livro anexo, bem como a sua história, rogando-lhe, antes de tudo, prosseguir em suas tarefas de esclarecimento da Humanidade, pois tenho fortes razões para isso.

Sou encadernador desde a meninice, trabalhando em grande casa desta capital.

Há cerca de dois anos casei-me com aquela que se revelou minha companheira ideal.

Nossa vida corria normalmente e tudo era alegria e esperança, quando, no início deste ano, de modo inesperado, minha Antoinette partiu desta vida, levada por sorrateira moléstia.

Meu desespero foi indescritível e julguei-me condenado ao desamparo extremo.

Sem confiança em Deus, sentindo as necessidades do homem do mundo e vivendo com as dúvidas aflitivas de nosso século, resolvera seguir o caminho de tantos outros, ante a fatalidade...

A prova da separação vencera-me, e eu não passava, agora, de trapo humano.

Faltava ao trabalho e meu chefe, reto e ríspido, ameaçava-me com a dispensa.

Minhas forças fugiam.

Namorava diversas vezes o Rio Sena e acabei planejando o suicídio.

‘Seria fácil, não sei nadar’ – pensava.

Sucediam-se noites de insônia e dias de angústia.

Em madrugada fria, quando as preocupações e o desânimo me dominaram mais fortemente, busquei a Ponte Marie.

Olhei em torno, contemplando a corrente...

E, ao fixar a mão direita para atirar-me, toquei um objeto algo molhado que se deslocou da amurada, caindo-me aos pés.

Surpreendido, distingui um livro que o orvalho umedecera.

Tomei o volume nas mãos e, procurando a luz mortiça de poste vizinho, pude ler, logo no frontispício, entre irritado e curioso:

‘Esta obra salvou-me a vida. Leia-a com atenção e tenha bom proveito. -  A. Laurent.’

Estupefato, li a obra – ‘O Livro dos Espíritos’ - ao qual acrescentei breve mensagem, volume esse que passo às suas mãos abnegadas, autorizando o distinto amigo a fazer dele o que lhe aprouver.”

Ainda constavam da mensagem agradecimentos finais, a assinatura, a data e o endereço do remetente.

O Codificador desempacotou, então, um exemplar de “O Livro dos Espíritos” ricamente encadernado, em cuja capa viu as iniciais do seu pseudônimo e na página do frontispício, levemente manchada, leu com emoção não somente a observação a que o missivista se referira, mas também outra, em letra firme: - “Salvou-me também. Deus abençoe as almas que cooperaram em sua publicação. - Joseph Perrier.”

Após a leitura da carta providencial, o Professor Rivail experimentou nova luz a banhá-lo por dentro...

Conchegando o livro ao peito, raciocinava, não mais em termos de desânimo ou sofrimento, mas sim na pauta de radiosa esperança.

Era preciso continuar, desculpar as injúrias, abraçar o sacrifício e desconhecer as pedradas...

Diante de seu espírito turbilhonava o mundo necessitado de renovação e consolo.

Allan Kardec levantou-se da velha poltrona, abriu a janela à sua frente, contemplando a via pública, onde passavam operários e mulheres do povo, crianças e velhinhos...

O notável obreiro da Grande Revelação respirou a longos haustos, e, antes de retomar a caneta para o serviço costumeiro, levou o lenço aos olhos e limpou uma lágrima... 

 

Do livro O Espírito da Verdade, obra mediúnica psicografada pelos médiuns Waldo Vieira e Francisco Cândido Xavier.


 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita