Serena despedida
Pareceu-nos vê-lo quando
acordávamos na manhã de
sábado, oito dias após
sua desencarnação. Como
um relâmpago, um flash.
Ele dormia tranquilo,
num leito completamente
branco, belo, como
sempre foi. Pensamos
conosco: será que o
visitamos? Deve estar
passando pelo sono
reparador, libertando o
corpo espiritual da
lembrança das dores que
o corpo físico passou na
Terra. Devemos tê-lo
visitado essa noite, no
mundo espiritual,
pensamos.
Um irmão muito amado, um
irmão querido. Apareceu
com um câncer de rim, um
adenocarcinoma, há cerca
de um ano e meio. Como
Deus é bom! Dois anos
antes, tivemos uma
intuição. Ele era
inteligente demais.
Engenheiro metalúrgico
na COSIPA, muito
respeitado pelos
colegas, como exemplo de
integridade moral e
honestidade. Falava
inglês, alemão, um pouco
de espanhol. Visitou
muitos países
representando lá fora a
sua indústria e o
Brasil. Pensando em sua
inteligência e que não
tinha uma religião
definida, num Natal, há
cerca de três anos,
demos a ele o
maravilhoso livro de
Léon Denis: “O Problema
do Ser, do Destino e da
Dor”, um dos nossos
favoritos. Pensamos
conosco: ele é
inteligente, esse livro
é muito belo e
profundamente
inteligente. Se um dia
ele desencarnar e tiver
lido esse livro, não
chegará ao mundo
espiritual sem
conhecimento da
realidade do Espírito.
Ele leu o livro e
adorou. Certa feita ele
nos disse que devíamos
trabalhar
incessantemente até a
vitória completa do bem
na Terra. Pensamos
conosco: ele está bem,
conhecimento já tem,
conduta reta sempre
teve, chegará um dia
preparado ao mundo
espiritual. Aí veio o
câncer.
Ele sempre foi um
cavalheiro, não queria
preocupar ninguém,
principalmente os pais.
Não queria que
soubessem, para não se
entristecerem. Tinha
esperanças de cura e
inicialmente os médicos
lhe disseram que estava
curado, que retirar o
rim doente fora a
solução. Ele passou essa
informação a todos.
Estava curado. Meses
depois o chamaram,
estava com metástases,
precisava fazer
quimioterapia. Somente
quando viu que não havia
mais esperança de cura,
permitiu que os pais
ficassem sabendo. Sua
esposa costumava dizer
que ele era um lorde,
nunca perdia a educação.
Quando o visitamos no
hospital, em São Paulo,
pela primeira vez, ele
desceu conosco ao
refeitório. Mesmo
doente, abriu-nos a
porta do elevador,
puxou-nos a cadeira para
sentar. Ficamos
emocionada com esse
simples gesto. Pensamos:
- Nossa! Tínhamos
esquecido isso, essa
gentileza. Ainda existem
homens assim!
Na segunda vez que o
visitamos, seu estado já
estava se agravando.
Conversamos sobre o
Espírito imortal e a
vida, que continua além
da morte. Perguntamos se
ele tinha medo de
morrer. Ele nos
respondeu que não tinha
medo, mas que gostaria
de viver um pouco mais
de tempo neste mundo,
por isso, sua luta.
Observamos sua gentileza
em ação. Em nenhum
momento reclamou. Cada
auxiliar que entrava
para ministrar qualquer
medicação ou ajudá-lo no
que fosse, ele
cumprimentava e, ao
sair, ele dizia:
Obrigado. Em cinco
minutos, ele falou
obrigado três vezes para
o mesmo auxiliar que
entrava e saía. Um
exemplo para todos ali,
pensamos.
A expectativa era de que
ele ficasse ainda na
Terra mais uns quatro
meses, mas o estado se
agravou subitamente
pouco depois. Já
estávamos com a passagem
comprada para visitá-lo
novamente, sem sabermos
da agravação do quadro,
pois não havíamos sido
informada da piora.
Deus, no entanto, nos dá
mostras incessantes de
seu infinito amor. Em
nossas preces, pedíamos
a Ele que não deixasse
nosso irmão partir sem
que nos despedíssemos.
Quando entramos em seu
quarto, no hospital,
vimos que era questão de
pouco tempo. Ele estava
lúcido, consciente,
apertou nossa mão,
cumprimentando. Acenou
para alguns engenheiros
da COSIPA, seus amigos,
que foram visitá-lo
naquele dia e se
afligiram com a piora
que teve desde a semana
anterior, quando o
visitaram. Eram sete e
meia da manhã quando
chegamos, e onze horas,
quando seus amigos lá
estiveram. Ainda lutava.
Fizemos uma prece e lhe
demos um passe. Ele
serenou, tranquilizou o
corpo. Então lhe
dissemos que ele já
havia lutado demais, o
corpo não obedecia mais,
que se lembrasse das
conversas que tivemos,
que confiasse em Deus,
que confiasse na
imortalidade da alma,
que Espíritos de escol
estavam ali a ampará-lo,
podíamos sentir a
energia na pele, uma
energia divina. Ele nos
ouviu. Mais tarde, com
nosso irmão que chegou,
nossa cunhada e uma
sobrinha, fizemos
novamente uma prece. A
energia no ambiente foi
sentida por todos.
Desencarnou em paz, às
quinze horas e quarenta
minutos. Uma jovem
auxiliar de enfermagem
que estava lá nos disse,
entristecida, pois todos
ali gostavam muito dele:
- Só ontem ele me falou
obrigado dez vezes!
Certa vez, nosso Hugo
Gonçalves nos disse que
Espíritos assim precisam
ser lembrados. Ele não
tinha uma religião. Foi
um homem de bem, gentil
e educado até o final.
Imaginamos que um
Espírito elevado o levou
nos braços, quando ele
se desprendeu. Pensamos
que ele está bem
amparado e, oito dias
após, eis que o vimos,
sereno, adormecido, em
recuperação, para
acordar sem dor,
Espírito livre do jugo
da matéria. Estará logo
trabalhando, como ele
disse, até a vitória
completa do bem na
Terra.
Como diz Léon Denis, no
livro que acima citamos:
“A própria morte pode
ter também a sua
nobreza, a sua grandeza.
Não devemos temê-la,
mas, antes, nos esforçar
por embelezá-la,
preparando-se cada um
constantemente para ela,
pela pesquisa e
conquista da beleza
moral, a beleza do
espírito que molda o
corpo e o orna com um
reflexo augusto na hora
das separações supremas.
A maneira por que cada
qual sabe morrer é já,
por si mesma, uma
indicação do que para
cada um de nós será a
vida no espaço”.
Pensemos nisso. Façamos
esforços para sermos
melhores, para sermos
pessoas de bem e irmos
em paz. Havia um sorriso
leve no rosto do
Vinícius, esse irmão
querido, desencarnado
aos 55 anos. Deve ter
visto amigos queridos,
quando partiu, e, como
ele disse: Estamos
juntos. Não importa a
distância, estamos
juntos. Então, para ele,
boa estada no mundo
espiritual e um até
breve!
Para nós outros, os que
aqui ficamos: sejamos
cristãos sinceros,
vivamos o Evangelho na
conduta e melhoremos
sempre mais!