Crônica da pedra
O que faria
você?
A pedra de
Drummond foi
posta no caminho
e nunca mais de
lá saiu. A pedra
permanece, no
tempo parece que
cresce, como
aquela outra que
anda sobre um
lago seco.
A pedra tem
amigos, muitos!
E ganha novos,
diariamente,
quando deveria
perder, apenas
perder.
A pedra tem
braços, é ágil,
e sua
imobilidade está
restrita apenas
ao fato de ser
pedra. Ela se
alimenta,
insaciável.
A pedra ouve
através de mil
orelhas, de
pouco cérebro e
muita astúcia.
Ela sabe de tudo
o que se passa
no poder, como
forma de se
alimentar à
custa dos
conchavos, somas
e divisões, um
modo antigo de
dominação.
A pedra é grande
o suficiente
para fazer
tropeçar todo
aquele que
pretende chegar
ao cume da
montanha a
qualquer preço.
E os toma por
aliados e os
enlaça com suas
mil pernas de
quilópode.
A pedra é pesada
o suficiente
para que não
seja arrastada
facilmente. Mas
é também sutil
em sua
metamorfose, de
modo a parecer
uma rosa de
bem-querer,
perfumada e sem
espinhos.
A pedra é
vidente,
cartomante,
quiromante.
Antecipa-se e
prevê o futuro
de novos e
antigos
aspirantes do
poder. E ameaça
de morte a todo
aquele que
pretenda passar
ao largo de sua
presença.
A pedra é
capciosa nos
contatos e
contratos. A
parvos,
medrosos,
interesseiros e
astutos, oferece
sua ajuda
intermediadora
inevitável.
A pedra é do
caminho, está no
caminho e não há
caminho sem a
pedra. Ali, onde
ela se posta, a
serpente das
fraquezas
humanas se deita
embaixo,
vigilante.
Antes da pedra,
os sonhos, os
planos, as
promessas a cem
por cento. Após
a pedra, o
rescaldo e os
escombros a
quase
sem
por cento.
Porta afora de
todos os
planaltos onde o
poder se
concentra, há um
vazio moral: é
ali onde a pedra
está posta. Ao
fim do caminho,
mil olhos e
braços e sonhos
e bocas
protestam, às
vezes
insistentes, às
vezes
cansadamente.
E agora,
Drummond, o que
faria você?
Romperia o
silêncio da
inação, apesar
da pedra, ou
quedaria, sem
forças, por
causa da pedra?
Não se esqueça,
caro amigo:
antes de
decidir,
lembre-se de que
o tempo em sua
irrefreável
duração encara a
vida e a morte
enquanto passa.
O mendigo do
planalto de
Herculano
continua com seu
chapéu à espera
das moedas
sonoras que as
mulheres
atiravam-lhe
maternalmente.
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