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Correio Mediúnico
Ano 9 - N° 446 - 3 de Janeiro de 2016
 
 


O Natal do apóstolo
 

Irmão X
 

Quando Simão Pedro foi arrancado aos grilhões do cárcere para o derradeiro sacrifício, sentia o coração varado de angústia, conquanto mostrasse o passo firme. O velho apóstolo, que transpusera os oitenta anos de idade, levantava a cabeça branca, destacando-se na turba à maneira de um pai atormentado por filhos inconscientes.

Irmãos do Evangelho ladeavam-no, tristes, escondendo o próprio desespero, diante da serenidade com que ele, encanecido em duras experiências, se acomodava ao martírio. Mulheres e crianças emaranhavam-se, cortejo adentro, para beijar-lhe as mãos. Transeuntes, ainda mesmo adversos ao Cristianismo nascente, fitavam-no, respeitosos, quais se vissem um soberano humilhado e pobremente vestido, a caminho de inesperado triunfo... E até soldados da escolta, recordando vários companheiros que Simão transfigurara, ao curar-lhe os parentes enfermos, abeiravam-se dele com veneração e carinho...

Apenas um dos pretorianos, Sertório Aniceto, destacado elemento na expedição, não poupava o sarcasmo. Desejando quebrar a atmosfera de reverência e de êxtase que se fazia, desdobrava impropérios:

– Para diante, velho imprudente! Judeu sujo! Lixo humano, que envergonharia os postes da arena!...

E Sertório Aniceto mais à frente:

– Não abuse da crendice do povo, Ladrão imundo, chegou seu fim!...

Pedro, entretanto, contemplava o céu escaldante da tarde e orava em silêncio... Sentia-se, agora, fatigado e incapaz! Compreendia que a Boa Nova exigia servidores robustos e rogava ao Cristo enviasse obreiros novos e valorosos para a vinha do mundo...

Mas não era só isso... No imo do coração, ardia-lhe a saudade do Mestre e ansiava retomar-lhe a companhia para sempre...

Escalando a colina, via não longe o Campo de Marte, assinalado pelo monumento de Augusto, as cintilações do Tibre espreguiçando ao sol, o casario imenso, as termas e os jardins; no entanto, regressava pela imaginação à Galileia distante, buscando Jesus em pensamento...

Revia o lago de Genesaré, em seus dias mais belos, e as multidões simples e generosas com que o Senhor repartia o pão e a verdade, o consolo e a esperança...

Por estranhos mecanismos da memória, respirava, de novo, o perfume das rosas de Betsaida, das romãzeiras de Dalmanuta, das quintas frutescentes de Magdala e dos pequenos vinhedos de Cafarnaum...

Apesar do calor reinante, rememorava a pesca e supunha-se envolvido pelo sopro da brisa, quando a barca sobrestava as ondas calmas.

Reconstituía, enlevadas, as pregações do Divino Amigo e parecia-lhe jornadear de retorno à família das crianças e dos enfermos, das mães sofredoras e dos velhinhos que ele próprio lhe entregara ao coração...

Atingido o local do suplício, confiou-se automaticamente aos soldados que o desnudaram, e, como se estivesse hipnotizado pela ideia do reencontro, sofregamente aguardado, quase nada percebeu dos martelos, rudemente manobrados, que lhe apresavam pés e mãos ao lenho que se lhe erguera de improviso...

Em derredor, escutava os protestos velados das centenas de espectadores da lamentável exibição, de mistura com as preces dos companheiros agoniados... Detido, porém, na ânsia de repouso, Pedro não via que o tempo se escoava, sem que lhe desfechassem qualquer golpe...

Aqui e além, grupos em orações e lágrimas salientavam-se de mãos postas; contudo, a morte tardava...

Sertório Aniceto, entretanto, não o perdia de vista, e, reparando que o crepúsculo baixava, atirou-lhe pontiagudo calhau à cabeça e gritou:

– Morre, bruxo!

O apóstolo observou que o sangue esguichava, mas, sem qualquer reação, rendeu-se ao invencível torpor, qual se fosse repentinamente anestesiado por brando sono. Semelhante impressão, contudo, perdurou por momentos.

O ancião, após desalgemar-se do corpo, identificou-se espiritualmente, livre e eufórico, ao pé dos próprios despojos, e, alheio à algazarra em torno, contemplou o firmamento, onde os astros se inflamavam, como se dedos invisíveis acendessem lumes deslumbrantes para uma festa no céu...

Espantado, observou que um homem descia do alto, como que materializado pela fulguração das estrelas, e, decorridos alguns instantes de assombro, viu Jesus a dois passos, a endereçar-lhe o inolvidável sorriso.

– Mestre! – clamou, inclinando-se para beijar o chão que ele pisava. O Messias redivivo tomou-o nos braços e partiu, conchegando-o ao coração, qual se transportasse frágil criança.

Por várias semanas restaurou-se Pedro na estância de luz que o Cristo lhe reservara. Junto dele, visitou paragens de inexprimível beleza, recolheu lições preciosas, presenciou espetáculos soberbos de grandeza cósmica e abraçou afeições inesquecíveis...

Quando mais integrado se reconhecia no Plano Superior, eis que o Celeste Companheiro lhe anuncia nova separação...

Que o discípulo descansasse quanto quisesse, elevando-se às excelsas regiões... Ele, porém, devia ausentar-se...

– Senhor, aonde vais? – indagou o apóstolo, penosamente surpreendido.

E Jesus, indicando-lhe escuro recanto da vastidão, em que se adivinhava a residência planetária dos homens, informou, sereno:

– Pedro, enquanto houver um gemido na Terra, não me será lícito repousar...

– Então, Senhor, eu também...

E, como outrora, demandaram juntos os quadros de ação, em que se lhes evidenciasse o amor sublime...

Atraídos por centenas de vozes, atravessaram Roma, parando, por fim, em espaçoso cemitério da Via Ápia, mergulhado na sombra noturna... A multidão cantava, glorificando o Senhor... Não obstante o Natal estivesse na lembrança de poucos, rememorava-se, ali, diante da imensidão constelada, a melodia dos mensageiros angélicos.

Simão, fremindo de emotividade, começou a chorar de alegria.

Anelava ser bom, aspirava a ser irmão da Humanidade, queria auxiliar a construção do Reino de Deus e homenagear a manjedoura de Belém, ofertando algo de si mesmo, em louvor do Evangelho...

Nesse ínterim, aproximou-se Jesus e disse-lhe ao ouvido:

– Pedro, alguém te chama...

O apóstolo voltou-se e, admirado, enxergou na pequena comunidade um homem triste, carregando nos braços um pequenino agonizante... Era Sertório Aniceto, a rogar-lhe, mentalmente, se lhe compadecesse do filhinho que a febre devorava. Qual se lhe registrasse a presença, expunha-lhe os remorsos que amargava e pedia-lhe perdão...

O antigo pescador não hesitou.

Depois de oscular-lhe a fronte suarenta, afagou a criança atribulada, impondo-lhe as mãos, e, ali mesmo, magneticamente tocado por forças renovadoras e intangíveis, o menino despertou, lúcido e refeito, enlaçando-se ao pai, à feição da ave assustada que torna à segurança do ninho.

Sertório Aniceto, no íntimo, compreendeu o socorro e a bênção que recebia e, renovado, começou a cantar em lágrimas de júbilo: “Glória a Deus nas alturas, paz na Terra e boa vontade para com os homens!...”

Para Sertório Aniceto, o rude legionário de César, começava nova vida e para Simão Pedro o serviço continuou...

 

Do livro Antologia Mediúnica do Natal, mensagem psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.


 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita