FELINTO ELÍZIO
DUARTE CAMPELO
felintoelizio@gmail.com
Maceió, Alagoas
(Brasil)
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A pedinte
Manhã fria de
rigoroso
inverno.
Quitéria, menina
de oito anos de
idade,
abandonada pelos
pais, ignorada
pela sociedade,
atormentada pelo
frio e pela
fome, mendigava
à porta de
tradicional
colégio de
aristocrático
bairro da
cidade.
Poucos
notavam-lhe a
presença,
ninguém se
compadecia de
sua desventura.
Bem nutrido,
ricas roupas de
lã, acompanhado
por um senhor de
semblante
austero, Audálio
desceu de
luxuoso carro
importado, num
gritante
contraste com a
pobre aparência
da magricela
Quitéria.
Estavam ali,
frente a frente,
a opulência e a
miséria.
Cruzaram-se os
olhares de
Audálio e de
Quitéria que,
triste, mãos
estendidas,
suplicou:
– Piedade, tenho
fome e frio!
Com um gesto
brusco, o Sr.
Alcântara
impediu Audálio
de entregar à
faminta o seu
lanche.
– Pai, eu estou
alimentado, ela
tem fome.
Deixe-me
socorrê-la.
– Não. Não nos
devemos imiscuir
com esse tipo de
gente. A
responsabilidade
é do governo;
para isso pago
pesados
impostos.
– Ela tem frio,
permita-me ao
menos cobri-la
com meu casaco.
– Nunca! Seu
casaco custou-me
trezentos e
cinquenta reais!
Quer jogá-lo
fora? Quer
porventura
arruinar-me com
suas penas
desmedidas?
Ademais, sem
ele, você
poderia apanhar
um resfriado.
Entre
imediatamente.
Após reiteradas
recomendações ao
diretor da
escola para não
permitir a
Audálio transpor
o portão do
colégio em
momento algum,
Alcântara saiu
em disparada,
indiferente ao
sofrimento da
menina,
preocupado
somente com os
milhões que
lucraria no
negócio a ser
consumado
naquela manhã.
Audálio, porém,
armou um plano
para fazer
chegar sua
merenda às mãos
de Quitéria. A
coleguinha Júlia
seria a
intermediária; o
porteiro, o
cúmplice. Tudo
combinado, o
esquema foi
posto em
execução.
Estava escrito,
o infortúnio
visitaria a alma
do pequeno
Audálio. Na hora
do recreio, duas
notícias vieram
magoar aquele
coração
sensível.
Quitéria,
resignadamente,
partira do mundo
material antes
de receber o
alimento
salvador; seu
pai, vitimado
por acidente de
trânsito,
falecera
blasfemando em
lastimoso estado
de revolta.
Passados alguns
meses, certa
noite, Audálio
sonhou que
entrava no
paraíso.
Recebido por
Quitéria que
parecia
radiante,
emoldurada por
suave luz
azulada,
comentou:
– Fico alegre
por vê-la sem as
marcas da
adversidade, tão
bela, tão feliz,
contudo,
preocupo-me com
meu pai. Onde e
como estará seu
Espírito?
– Meu bom amigo,
por isso mesmo,
você foi chamado
a vir ao meu
encontro. Seu
pai padece no
umbroso vale dos
desesperados a
dor daqueles que
se descuraram
dos deveres
cristãos, levado
pela vaidade e
ambição sem
limite.
– O que posso
fazer para
salvá-lo?
– Precisamos
ajudá-lo. Pedi e
foi-me concedida
a oportunidade
de, em breve,
reencarnar. Do
nosso consórcio,
nascerá o Sr.
Alcântara, filho
que amaremos e a
quem deveremos
conduzir pela
trilha do
reajustamento
espiritual.
Aceita?
– Sim, tudo
farei por meu
pai. Além do
mais, unir-me a
você pelo
matrimônio é uma
dádiva divina!
Amei-a à
primeira vista,
parece
inexplicável!
– Oh! Que tolice
achar
inexplicável o
seu súbito
sentimento! É
muito natural
que tenha
ocorrido, pois,
há séculos,
estamos ligados
por um afeto
fraternal, em
múltiplas
reencarnações.
Na verdade,
houve apenas um
reencontro.
Audálio
despertou em
pranto. Não se
lembrava
detalhadamente
do sonho; sabia,
entretanto, que
se encontrara
com a pedinte da
porta do
colégio, que seu
pai recebera o
perdão
incondicional
daquela menina
que, na Terra,
vira apenas uma
vez e, mesmo
assim, a amou
profundamente e
que um pacto de
amor havia sido
selado sob a
égide do Senhor.
Ela voltaria,
ele esperaria.
Assim, Audálio
sentia
manifestar-se a
sabedoria e a
bondade de Deus.