O anjo e a lama
Maria Dolores
Dia de inverno nevoento.
Desce um homem do carro,
Fita a longa extensão do
caminho de barro
E acusa a terra, em
volta,
Tomado de revolta,
Irritado e violento:
- Maldita lama!...
Não posso me arriscar
Neste caminho imundo;
Meu carro habituado à
firmeza do asfalto,
Decerto tombaria em
qualquer salto.
Maldita seja a hora
Em que saí de casa...
E disse para a esposa
que o ouvia:
- Melhor voltarmos
noutro dia.
E esquecer este chão que
me enerva e me arrasa.
O solo humilde e escravo
Assinalou o agravo
E entrou em singular
abatimento;
Mas um dos anjos de
orientação
Do campo, que aguentava
o assalto da garoa,
Parou no mesmo ponto,
onde o homem gritara
E disse à terra úmida: -
Perdoa
Os insultos que
ouvistes...
Continua servindo... Não
te acuses...
Chamam-te lama vil ou
barro triste;
Entretanto, nas leis da
natureza,
Ninguém consegue pão à
mesa
Sem recorrer ao trigo
que produzes.
Denominam-te chão lodoso
e feio;
Nota, porém, os teus
acusadores:
Querem consigo as flores
Que te nascem do seio.
O homem é um ser
estranho; muita gente
Que te condena e te
maldiz
Não conhece o tijolo, a
telha e o corpo das
paredes,
Com que fazes no mundo
Tanta gente feliz.
O asfalto, na verdade, é
indício de progresso
Para as rodas de todos
os matizes,
Mas não sabe o processo
De acalentar sementes e
raízes
Para que a planta se
estenda,
Por mágica oferenda
De supremo valor,
A colheita que ajuda a
conservar
A fartura no lar
Onde a vida situa a
presença do amor.
Lama, somente lama
desprezível,
Chamam-te aí no mundo,
Mas quase ninguém sabe,
Talvez com exceção da
mãe bovina,
Que Deus te honrou com a
erva,
Pela qual a pastagem se
conserva,
Para que o leite seja,
ante a criança,
A essência da esperança,
Alimento e calor da
Bondade Divina.
Não te magoem críticas e
golpes,
Não olvides que, em ti,
Deus resguarda e resume
A química da vida que
transforma
O esterco envilecido em
vagas de perfume!...
A gleba imensa ouvia a
mensagem celeste;
Esqueceu toda a
injúria... Parecia
Que a luz do sol
voltando a beijava e
envolvia,
Procurando aquecer-lhe
Todas as energias
interiores...
Desde esse dia, a lama
desprezada
Sentiu-se renascer para
nova alvorada
E passou, de maneira
invariável,
A responder sem mágoa a
quaisquer agressores,
Trocando acusação, golpe
e azedume
Por ondas generosas de
perfume,
Em braçadas de flores.
Do livro Momentos de
Ouro, obra mediúnica
psicografada pelo médium
Francisco Cândido
Xavier.
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