Carnaval, preferências e preconceitos
Brinquei muito carnaval quando era criança e adolescente. Eu, meu irmão e vários amigos. Vestíamos fantasias, espirrávamos água em carros e ônibus... Além disso, íamos para bailes e cantávamos ao som das eternas marchinhas. Enfim, brincadeira saudável de uma turminha que estava sempre junta.
Aí, avançamos na adolescência. Era o final dos anos 70 do século passado. Nesta mesma década, o carnaval começou a se tornar uma festa pesada. Pelo menos para mim. Enquanto vários de meus amigos se locupletavam na libertinagem proporcionada pela festa, eu resolvi acompanhá-la de longe.
Entrei para o movimento espírita em 1984. Embora já fosse de família espírita, não tinha até então uma participação assídua. Gostei das pessoas, da proposta e finquei pé. Em seguida, lá estava eu participando, por 17 anos, de um evento espírita que ocorre até hoje no período do carnaval aqui no RJ – a Confraternização das Mocidades Espíritas do Estado do Rio de Janeiro (Comeerj).
À mesma época, os desfiles de escola de samba do Rio de Janeiro estavam bem erotizados e luxuosos devido a mudanças implantadas pelo carnavalesco Joãozinho Trinta, anos antes, e por outros tantos que seguiram seu estilo. Neste mesmo período, era publicada a colossal obra Nas Fronteiras da Loucura, ditada pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda e psicografada pelo médium e tribuno baiano, Divaldo Pereira Franco.
Manoel conta a história de um posto de socorro espiritual que é implantado em uma praça da Cidade Maravilhosa para atender várias vítimas espirituais das folias momescas. E narra com detalhes como a psicosfera fica pesada devido à presença de Espíritos desencarnados que aproveitam o fato de muita gente liberar geral para provocar toda a sorte de distúrbios. E narra também como as escolas de samba carregam consigo hordas de Espíritos arruaceiros e libidinosos, que promovem desregramentos sem-fim. Só lendo para entender...
O tempo passou, e muita coisa no carnaval do Rio e do Brasil vem mudando. Tanto que muitas cidades, em função da crise econômica por que passa o país, resolveram cancelar o carnaval e direcionar a verba para a compra de ambulâncias, por exemplo. E o próprio desfile das escolas de samba, que costumo acompanhar pelo fato de ser jornalista, se profissionalizou. Não há mais a orgia bombástica de antes, apesar de ser uma festa pagã em que tudo é permitido. É um desfile que não chama mais atenção como antes. Virou um evento voltado para um público específico. Um evento que vem perdendo audiência na transmissão pela TV aberta, inclusive.
Decerto ainda há influências espirituais malsãs campeando nos quatro dias. Entre outros motivos, pelo fato de o Brasil ser um lamentável destino de prostituição infantil (não vou por esse caminho porque teria de falar sobre exclusão social, miséria, ausência de políticas públicas de saúde e educação e outros tais que dão pano para outro artigo). Mesmo assim, apesar de toda a baderna sexual que vem à tona nesta época, o Carnaval é uma festa que, a meu ver, vem cansando, perdendo impacto. Afinal, o mundo está mudando, e todos nós também.
Poderia escrever muito sobre a presença de Espíritos infelizes que campeiam pelo Brasil nos quatro dias de carnaval. Mas como muitos pensadores espíritas falam sobre isso neste período, estou tomando um caminho um pouco diferente.
Muitos condenam o povo que está nas avenidas onde há desfiles, esteja ele assistindo, desfilando... Não podemos julgá-los. Nem a eles nem a ninguém. Não temos o direito de achar que eles são uns desavisados à mercê de entidades zombeteiras e que nós, os espíritas, somos os certinhos. Não é por aí. Muitas escolas de samba levam para o desfile crianças e jovens envolvidos em projetos sociais nas comunidades. Pessoas que poderiam ter descambado para a marginalidade, mas tiveram a opção de tocar tamborim, sambar ou similar. E muitas delas só podem participar se tirarem nota boa na escola. É a Providência Divina agindo. É gente de boa-fé inserida no meio. E garanto a vocês que são muitos. E há também as pessoas que nasceram e foram criadas naquele ambiente. São as senhoras da ala das baianas, a turma da velha guarda etc. Há pessoas maravilhosas, sábias, carinhosas, acolhedoras... Estariam todas elas, sem exceção, sob o guante de cruéis obsessores quando põem o pé na avenida? Creio que não. Impossível generalizar. E o que dizer das costureiras, bordadeiras, dos maquiadores, aderecistas, marceneiros, soldadores e tantos outros profissionais que têm trabalho digno graças à preparação para os desfiles? E o que dizer da turma que aproveita a ocasião para faturar um dinheirinho extra vendendo cachorro-quente, refrigerante, pipoca etc.?
Evitemos a censura rigorosa ao carnaval. Há muita gente que tira dele o pão de cada dia. E há muita gente oriunda daquele ambiente que cresceu tendo amor à escola de samba e à festa.
As folias de momo estão mudando de perfil e mudarão cada vez mais. O tempo e a Providência Divina, que a tudo administra de forma sábia, vêm se encarregando de, aos poucos, adequar o carnaval ao andar da carruagem da evolução humana.
A nós cabe respeitar o livre-arbítrio alheio e vibrar para que as boas pessoas que trabalham, desfilam ou simplesmente buscam um divertimento para a família possam passar pela tempestade de fluidos negativos da forma mais equilibrada possível, apesar das arruaças e vandalismos.