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Ano 10 - N° 510 - 2 de Abril de 2017

MARTHA RIOS GUIMARÃES
marthinharg@yahoo.com.br
São Paulo, SP (Brasil)

 

 
Jeferson Betarello: 

“O impacto do Espiritismo na sociedade brasileira é bem maior do que se imagina” 

Autor da dissertação “Unir para Difundir – o impacto das federativas no crescimento do Espiritismo” em seu mestrado em Ciências da Religião da PUC/SP, o confrade fala-nos sobre esse e outros
assuntos pertinentes à atualidade do movimento espírita

Nascido na cidade de Mauá (SP), em julho de 1959, em família católica com muita abertura para a liberdade religiosa, Jeferson Betarello (foto) casou-se aos 20 anos e decidiu parar os estudos para retomá-los aos 40 anos de idade, com os filhos já crescidos. Formou-se em Filosofia e foi para o mestrado na PUC/SP para realizar um

projeto antigo de estudar o Espiritismo pelos olhos das ciências acadêmicas, escolhendo para isso o programa de mestrado em Ciências da Religião da PUC/SP. 

Fale-nos sobre seu início no Espiritismo. 

Foi aos 17 anos, eu já namorava a minha atual esposa e ela frequentava um Centro de Umbanda na Lapa, onde ela residia. Quando mudei de emprego conheci uma pessoa que frequentava um centro espírita e ele começou a me presentear com livros de Kardec, primeiro O Livro dos Espíritos e depois a sequência de toda a Codificação. Fiquei maravilhado, lia e parecia que tudo fazia sentido. Depois disso comecei a frequentar um centro espírita perto da estação de trem na Lapa, mas durou muito pouco porque a principal médium do centro desencarnou, a casa ficou para os herdeiros que resolveram fechar um centro excelente que tinha levado uma vida inteira para ser construído. Continuei meus estudos sozinho, lia no trem, no ônibus, ou onde fosse possível. Quando o Centro voltou a funcionar, ainda que precariamente, por iniciativa dos médiuns que se uniram, voltei a frequentá-lo esporadicamente. Fui convidado a comentar o Evangelho, gostaram e passei a ler e comentar as obras nas reuniões em algumas ocasiões. Depois fui convidado a compor a mesa nas sessões abertas. Após alguns meses de frequência regular me convidaram para uma reunião de diretoria, de onde saí como vice-presidente, para surpresa geral. Em seguida o presidente eleito deixou o cargo e eu assumi a presidência do centro, período em que aprendi muito, tentando manter vivo o centro e atender às expectativas dos colaboradores. Acredito que minha trajetória inicial foi bem incomum. 

Você integra o movimento de união, através da USE Regional São Paulo. Como chegou à USE e quais os trabalhos que executou e executa? 

Passei anos naquele centro onde aprendi muito sobre a prática mediúnica. E foi nele, buscando subsídios para dirigi-lo, que sugeri para a diretoria sairmos do isolamento buscando nos unir a um órgão federativo (eu nunca tinha ouvido falar da USE). Nos reunimos com algumas pessoas de diferentes instituições e concluímos que algumas eram filiadas a instituições que não nos agradavam por seus posicionamentos radicais. Foi quando recebemos dirigentes da USE Distrital de Pirituba para nos visitar e sentimos que havíamos encontrado uma instituição que postulava princípios de solidariedade com base na Doutrina Espírita. A solidariedade e princípios expostos pelos representantes da USE nos estimularam a nos unir aos seus quadros e daí para frente nunca mais deixei de participar deste órgão em vários níveis e em diferentes departamentos. Participei ativamente da USE Distrital Pirituba, conhecendo centros espíritas, fazendo palestras e integrando os quadros departamentais. Fui levado pelos companheiros, que sempre buscaram formar novos dirigentes, para participar das reuniões da Regional/SP. Assumi compromissos com o Depto. de Doutrina e fizemos trabalhos muito interessantes junto aos centros espíritas. Passei a frequentar as reuniões da Estadual e depois de algum tempo fui convidado por Atilio Campanini a assumir o Depto. do Livro da Estadual por indicação do amigo Wladisney Lopes. Nunca me preocupei com cargos, sempre que necessário busquei servir à USE da melhor forma ao meu alcance, pois o que importa é o trabalho em prol da união em torno da divulgação da Doutrina Espírita.  

Entendemos que considera importante a união entre os espíritas. Gostaríamos que falasse um pouco sobre isso. 

A união das pessoas e instituições em torno de um ideal sempre possibilita fazer muito mais e melhor. A história da USE é linda! Mostra como podemos concretizar o ideal espírita no mundo. Os posicionamentos sempre buscando o alinhamento com a proposta da Doutrina Espírita são um exemplo a ser seguido. A forma de trabalho da USE é muito interessante, promove a troca de experiência disseminando aquilo que funciona, porém sem desconsiderar a necessidade de adaptação a cada realidade específica. Acho muito produtiva a forma de trabalhar em comitês – quando há uma necessidade cria-se um comitê, as pessoas se voluntariam para participar, escolhem-se os responsáveis e o trabalho se inicia visando produzir conhecimento a ser avaliado pelas reuniões plenárias que são compostas pelos dirigentes dos centros unidos; é, portanto, um trabalho legítimo de representatividade e produção de subsídios para a operacionalização das atividades dentro do Movimento Espírita, sempre buscando garantir a coerência doutrinária. A USE é uma instituição fantástica que conseguiu realizar aquilo que Kardec propôs, ou seja, a comunhão entre os espíritas unidos em torno de um ideal – a divulgação da Doutrina Espírita na sociedade. Na USE há espaço para as diferentes formas de entender e vivenciar o que aprendemos nos postulados da Doutrina Espírita. Conhece-se a árvore pelos frutos e na USE podemos produzir e colher bons frutos; a história do Espiritismo no Brasil confirma isto e as pessoas também. 

Você é Mestre em Ciências da Religião pela PUC/SP e seu título da dissertação foi “Unir para Difundir – o impacto das federativas no crescimento do Espiritismo”. Como foi tratar desse assunto em um ambiente católico? 

Foi bem tranquilo; a área de Ciências da Religião da PUC/SP é muito aberta para as pesquisas do campo religioso brasileiro. Existe uma grande quantidade de teses (doutorado) e dissertações (mestrado) versando sobre religiões afro-brasileiras e eu propus que havia espaço para pesquisar o Espiritismo no Brasil, pelo impacto do Movimento Espírita na sociedade brasileira. A pesquisa foi aprovada e também consegui uma bolsa da CAPES dada pela PUC/SP para realizá-la. O meu orientador prof. Queiroz é o professor que mais orientou teses e dissertações sobre Espiritismo no Brasil – descobri isso ao longo da nossa convivência através de levantamentos realizados no âmbito da Liga de Pesquisadores do Espiritismo (LIHPE), e ele ficou surpreso ao saber disso. O único senão que descobri na PUC/SP é que eles tinham uma visão negativa dos candidatos espíritas por entenderem que nós seríamos um tanto quanto arrogantes ao propor nossas pesquisas, como detentores de verdades a serem expostas e não como hipóteses a serem provadas. Felizmente consegui reverter essa visão ao longo da minha permanência no mestrado. Hoje tenho grandes amigos tanto entre alunos como entre os professores da PUC/SP. 

É possível resumir para nós o conteúdo da pesquisa que acabou virando um livro? 

Como pesquisador, eu quis entender o porquê da rejeição das lideranças espíritas com relação à quantidade de espíritas no Brasil: a FEB fala em dezenas de milhões enquanto o IBGE mostra menos de 3 milhões de espíritas em 2010. Muitas respostas propostas foram derrubadas e novas formuladas durante a pesquisa, concluindo que 3 milhões de pessoas é um número bastante significativo se comparado aos contingentes específicos de outros segmentos religiosos; somos o terceiro maior contingente religioso do Brasil. Além disso demonstramos que o impacto dos espíritas na sociedade brasileira é muito significativo, produzindo benefícios e posturas positivas. Também aproveitamos para registrar a história do Espiritismo na França, no Brasil e em São Paulo, de sua expansão no Brasil e quais motivos contribuíram para isto. Também esclarecemos sobre a representatividade institucional federativa para que outros pesquisadores, de fora do Movimento Espírita, possam acessar devidamente as instituições que representam os espíritas. Finalmente buscamos explicar do ponto de vista de teorias sociológicas os pontos fortes e fracos da ação das federativas que impactam diretamente no crescimento da quantidade de espíritas no Brasil. Concluímos que há questões mal resolvidas e que distorcem a divulgação do Espiritismo de forma coerente e com objetividade. Dentre elas a questão de o Espiritismo ser ou não uma religião. Essa questão sem resposta firmemente formulada, explicitada e alinhada com as ações do centro espírita torna ambíguas as ações espíritas que dizem não querer adeptos, porém questionam os números do IBGE. Além disso, o nível de engajamento e posicionamento ao aderir a uma religião é diferente da aceitação de uma filosofia/ciência com consequências morais. Ou seja, varremos para baixo do tapete uma questão fundamental para nortear nossos posicionamentos. Isso ocorreu historicamente desde Kardec, conforme demonstrei em minha pesquisa.(1) 

Temos visto um crescimento de trabalhos de mestrado e doutorado, e pesquisas em geral, que abordam o Espiritismo. Como pesquisador, você concorda que há uma tendência em pesquisas nesse campo? Acredita que há espaço para surgirem outras com essa temática? 

Certamente concordo. Há pesquisas interessantes sendo concluídas e publicadas; tomemos como exemplo os encontros da Liga de Pesquisadores do Espiritismo (LIHPE) e academicamente surgiram recentemente pesquisas bastante relevantes para o Movimento Espírita. Cito a obra de Jáder Sampaio – Voluntários: um estudo sobre a motivação de pessoas e cultura em uma organização do terceiro setor, que trata de tema muito pertinente às casas espíritas enfocando a motivação das pessoas para trabalharem como voluntários em uma instituição espírita. O Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo – Eduardo Carvalho Monteiro (CCDPE- ECM), do qual já fui diretor de Pesquisa, publicou a coleção Espiritismo na Universidade na qual minha pesquisa saiu como o segundo volume. Há levantamentos no meio espírita que listam os temas abordados em pesquisas, até a data que foram realizados, demonstrando que há muita pesquisa boa. Precisamos acessar essas pesquisas e analisar o que podemos aproveitar para aplicar em nossa operacionalização das atividades espíritas, ou entendermos melhor o Movimento Espírita. Porém, ainda há espaço para pesquisas buscando elucidar os diversos aspectos do Espiritismo no Brasil, país tão rico em diversidade de credos, onde há uma abertura imensa para que as potencialidades de cada doutrina sejam compartilhadas pela sociedade. O impacto do Espiritismo na sociedade brasileira é bem maior do que muitos podem imaginar, o que poderá ser medido em pesquisas sérias nos meios acadêmicos ou por estudiosos do Movimento Espírita, sempre usando o bom senso, abordagem adequada e embasamento teórico para fundamentação das conclusões; em outras palavras, produzir conhecimento com método, como fez Kardec. Acredito que ainda estamos presos a comportamentos historicamente construídos em contextos diferentes dos atuais, justificados e coerentes em outras épocas. Somos uma proposta doutrinária dentro de um contexto e mentalidade fortemente católicos, dada a formação do nosso povo. Precisamos identificar e quebrar certos paradigmas que não conseguimos enxergar sem nos distanciarmos e isto é possível quando realizamos uma pesquisa bem estruturada. 

Suas considerações finais, por favor. 

Somos a nação com mais espíritas no mundo. Temos instituições fortes, consolidadas, comprometidas com a divulgação da Doutrina Espírita. O Espiritismo no Brasil é um fenômeno riquíssimo em termos de possibilidades de vivência pacífica e produção de bens culturais, contribuindo para a riqueza cultural de um povo que pode contribuir muito para o futuro de paz e progresso almejado para a sociedade terrena. Que cada um busque conhecer e vivenciar exemplarmente aquilo que conseguimos entender sobre a Doutrina Espírita, revelada pelos espíritos superiores há mais de um século, quando a humanidade entrou num estágio de evolução material e científico que requer que sejamos mais responsáveis por nós, pelo próximo e pelo mundo que habitamos.   
 

(1) A dissertação de mestrado citada nesta entrevista está disponível na Web. Eis o link: http://migre.me/wgt3g


 
 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita