Jeferson
Betarello:
“O impacto do
Espiritismo na
sociedade
brasileira é bem
maior do que se
imagina”
Autor da
dissertação
“Unir para
Difundir – o
impacto das
federativas no
crescimento do
Espiritismo” em
seu mestrado em
Ciências da
Religião da
PUC/SP, o
confrade
fala-nos sobre
esse e outros
assuntos
pertinentes à
atualidade do
movimento
espírita
|
Nascido na
cidade de Mauá
(SP), em julho
de 1959, em
família católica
com muita
abertura para a
liberdade
religiosa,
Jeferson
Betarello
(foto)
casou-se aos 20
anos e decidiu
parar os estudos
para retomá-los
aos 40 anos de
idade, com os
filhos já
crescidos.
Formou-se em
Filosofia e foi
para o mestrado
na PUC/SP para
realizar um
|
projeto antigo
de estudar o
Espiritismo
pelos olhos das
ciências
acadêmicas,
escolhendo para
isso o programa
de mestrado em
Ciências da
Religião da
PUC/SP. |
Fale-nos sobre
seu início no
Espiritismo.
Foi aos 17 anos,
eu já namorava a
minha atual
esposa e ela
frequentava um
Centro de
Umbanda na Lapa,
onde ela
residia. Quando
mudei de emprego
conheci uma
pessoa que
frequentava um
centro espírita
e ele começou a
me presentear
com livros de
Kardec, primeiro
O Livro dos
Espíritos e
depois a
sequência de
toda a
Codificação.
Fiquei
maravilhado, lia
e parecia que
tudo fazia
sentido. Depois
disso comecei a
frequentar um
centro espírita
perto da estação
de trem na Lapa,
mas durou muito
pouco porque a
principal médium
do centro
desencarnou, a
casa ficou para
os herdeiros que
resolveram
fechar um centro
excelente que
tinha levado uma
vida inteira
para ser
construído.
Continuei meus
estudos sozinho,
lia no trem, no
ônibus, ou onde
fosse possível.
Quando o Centro
voltou a
funcionar, ainda
que
precariamente,
por iniciativa
dos médiuns que
se uniram,
voltei a
frequentá-lo
esporadicamente.
Fui convidado a
comentar o
Evangelho,
gostaram e
passei a ler e
comentar as
obras nas
reuniões em
algumas
ocasiões. Depois
fui convidado a
compor a mesa
nas sessões
abertas. Após
alguns meses de
frequência
regular me
convidaram para
uma reunião de
diretoria, de
onde saí como
vice-presidente,
para surpresa
geral. Em
seguida o
presidente
eleito deixou o
cargo e eu
assumi a
presidência do
centro, período
em que aprendi
muito, tentando
manter vivo o
centro e atender
às expectativas
dos
colaboradores.
Acredito que
minha trajetória
inicial foi bem
incomum.
Você integra o
movimento de
união, através
da USE Regional
São Paulo. Como
chegou à USE e
quais os
trabalhos que
executou e
executa?
Passei anos
naquele centro
onde aprendi
muito sobre a
prática
mediúnica. E foi
nele, buscando
subsídios para
dirigi-lo, que
sugeri para a
diretoria
sairmos do
isolamento
buscando nos
unir a um órgão
federativo (eu
nunca tinha
ouvido falar da
USE). Nos
reunimos com
algumas pessoas
de diferentes
instituições e
concluímos que
algumas eram
filiadas a
instituições que
não nos
agradavam por
seus
posicionamentos
radicais. Foi
quando recebemos
dirigentes da
USE Distrital de
Pirituba para
nos visitar e
sentimos que
havíamos
encontrado uma
instituição que
postulava
princípios de
solidariedade
com base na
Doutrina
Espírita. A
solidariedade e
princípios
expostos pelos
representantes
da USE nos
estimularam a
nos unir aos
seus quadros e
daí para frente
nunca mais
deixei de
participar deste
órgão em vários
níveis e em
diferentes
departamentos.
Participei
ativamente da
USE Distrital
Pirituba,
conhecendo
centros
espíritas,
fazendo
palestras e
integrando os
quadros
departamentais.
Fui levado pelos
companheiros,
que sempre
buscaram formar
novos
dirigentes, para
participar das
reuniões da
Regional/SP.
Assumi
compromissos com
o Depto. de
Doutrina e
fizemos
trabalhos muito
interessantes
junto aos
centros
espíritas.
Passei a
frequentar as
reuniões da
Estadual e
depois de algum
tempo fui
convidado por
Atilio Campanini
a assumir o
Depto. do Livro
da Estadual por
indicação do
amigo Wladisney
Lopes. Nunca me
preocupei com
cargos, sempre
que necessário
busquei servir à
USE da melhor
forma ao meu
alcance, pois o
que importa é o
trabalho em prol
da união em
torno da
divulgação da
Doutrina
Espírita.
Entendemos que
considera
importante a
união entre os
espíritas.
Gostaríamos que
falasse um pouco
sobre isso.
A união das
pessoas e
instituições em
torno de um
ideal sempre
possibilita
fazer muito mais
e melhor. A
história da USE
é linda! Mostra
como podemos
concretizar o
ideal espírita
no mundo. Os
posicionamentos
sempre buscando
o alinhamento
com a proposta
da Doutrina
Espírita são um
exemplo a ser
seguido. A forma
de trabalho da
USE é muito
interessante,
promove a troca
de experiência
disseminando
aquilo que
funciona, porém
sem
desconsiderar a
necessidade de
adaptação a cada
realidade
específica. Acho
muito produtiva
a forma de
trabalhar em
comitês – quando
há uma
necessidade
cria-se um
comitê, as
pessoas se
voluntariam para
participar,
escolhem-se os
responsáveis e o
trabalho se
inicia visando
produzir
conhecimento a
ser avaliado
pelas reuniões
plenárias que
são compostas
pelos dirigentes
dos centros
unidos; é,
portanto, um
trabalho
legítimo de
representatividade
e produção de
subsídios para a
operacionalização
das atividades
dentro do
Movimento
Espírita, sempre
buscando
garantir a
coerência
doutrinária. A
USE é uma
instituição
fantástica que
conseguiu
realizar aquilo
que Kardec
propôs, ou seja,
a comunhão entre
os espíritas
unidos em torno
de um ideal – a
divulgação da
Doutrina
Espírita na
sociedade. Na
USE há espaço
para as
diferentes
formas de
entender e
vivenciar o que
aprendemos nos
postulados da
Doutrina
Espírita.
Conhece-se a
árvore pelos
frutos e na USE
podemos produzir
e colher bons
frutos; a
história do
Espiritismo no
Brasil confirma
isto e as
pessoas também.
Você é Mestre em
Ciências da
Religião pela
PUC/SP e seu
título da
dissertação foi
“Unir para
Difundir – o
impacto das
federativas no
crescimento do
Espiritismo”.
Como foi tratar
desse assunto em
um ambiente
católico?
Foi bem
tranquilo; a
área de Ciências
da Religião da
PUC/SP é muito
aberta para as
pesquisas do
campo religioso
brasileiro.
Existe uma
grande
quantidade de
teses
(doutorado) e
dissertações
(mestrado)
versando sobre
religiões
afro-brasileiras
e eu propus que
havia espaço
para pesquisar o
Espiritismo no
Brasil, pelo
impacto do
Movimento
Espírita na
sociedade
brasileira. A
pesquisa foi
aprovada e
também consegui
uma bolsa da
CAPES dada pela
PUC/SP para
realizá-la. O
meu orientador
prof. Queiroz é
o professor que
mais orientou
teses e
dissertações
sobre
Espiritismo no
Brasil –
descobri isso ao
longo da nossa
convivência
através de
levantamentos
realizados no
âmbito da Liga
de Pesquisadores
do Espiritismo (LIHPE),
e ele ficou
surpreso ao
saber disso. O
único senão que
descobri na
PUC/SP é que
eles tinham uma
visão negativa
dos candidatos
espíritas por
entenderem que
nós seríamos um
tanto quanto
arrogantes ao
propor nossas
pesquisas, como
detentores de
verdades a serem
expostas e não
como hipóteses a
serem provadas.
Felizmente
consegui
reverter essa
visão ao longo
da minha
permanência no
mestrado. Hoje
tenho grandes
amigos tanto
entre alunos
como entre os
professores da
PUC/SP.
É possível
resumir para nós
o conteúdo da
pesquisa que
acabou virando
um livro?
Como
pesquisador, eu
quis entender o
porquê da
rejeição das
lideranças
espíritas com
relação à
quantidade de
espíritas no
Brasil: a FEB
fala em dezenas
de milhões
enquanto o IBGE
mostra menos de
3 milhões de
espíritas em
2010. Muitas
respostas
propostas foram
derrubadas e
novas formuladas
durante a
pesquisa,
concluindo que 3
milhões de
pessoas é um
número bastante
significativo se
comparado aos
contingentes
específicos de
outros segmentos
religiosos;
somos o terceiro
maior
contingente
religioso do
Brasil. Além
disso
demonstramos que
o impacto dos
espíritas na
sociedade
brasileira é
muito
significativo,
produzindo
benefícios e
posturas
positivas.
Também
aproveitamos
para registrar a
história do
Espiritismo na
França, no
Brasil e em São
Paulo, de sua
expansão no
Brasil e quais
motivos
contribuíram
para isto.
Também
esclarecemos
sobre a
representatividade
institucional
federativa para
que outros
pesquisadores,
de fora do
Movimento
Espírita, possam
acessar
devidamente as
instituições que
representam os
espíritas.
Finalmente
buscamos
explicar do
ponto de vista
de teorias
sociológicas os
pontos fortes e
fracos da ação
das federativas
que impactam
diretamente no
crescimento da
quantidade de
espíritas no
Brasil.
Concluímos que
há questões mal
resolvidas e que
distorcem a
divulgação do
Espiritismo de
forma coerente e
com
objetividade.
Dentre elas a
questão de o
Espiritismo ser
ou não uma
religião. Essa
questão sem
resposta
firmemente
formulada,
explicitada e
alinhada com as
ações do centro
espírita torna
ambíguas as
ações espíritas
que dizem não
querer adeptos,
porém questionam
os números do
IBGE. Além
disso, o nível
de engajamento e
posicionamento
ao aderir a uma
religião é
diferente da
aceitação de uma
filosofia/ciência
com
consequências
morais. Ou seja,
varremos para
baixo do tapete
uma questão
fundamental para
nortear nossos
posicionamentos.
Isso ocorreu
historicamente
desde Kardec,
conforme
demonstrei em
minha pesquisa.(1)
Temos visto um
crescimento de
trabalhos de
mestrado e
doutorado, e
pesquisas em
geral, que
abordam o
Espiritismo.
Como
pesquisador,
você concorda
que há uma
tendência em
pesquisas nesse
campo? Acredita
que há espaço
para surgirem
outras com essa
temática?
Certamente
concordo. Há
pesquisas
interessantes
sendo concluídas
e publicadas;
tomemos como
exemplo os
encontros da
Liga de
Pesquisadores do
Espiritismo (LIHPE)
e academicamente
surgiram
recentemente
pesquisas
bastante
relevantes para
o Movimento
Espírita. Cito a
obra de Jáder
Sampaio –
Voluntários: um
estudo sobre a
motivação de
pessoas e
cultura em uma
organização do
terceiro setor,
que trata de
tema muito
pertinente às
casas espíritas
enfocando a
motivação das
pessoas para
trabalharem como
voluntários em
uma instituição
espírita. O
Centro de
Cultura,
Documentação e
Pesquisa do
Espiritismo –
Eduardo Carvalho
Monteiro (CCDPE-
ECM), do qual já
fui diretor de
Pesquisa,
publicou a
coleção
Espiritismo na
Universidade na
qual minha
pesquisa saiu
como o segundo
volume. Há
levantamentos no
meio espírita
que listam os
temas abordados
em pesquisas,
até a data que
foram
realizados,
demonstrando que
há muita
pesquisa boa.
Precisamos
acessar essas
pesquisas e
analisar o que
podemos
aproveitar para
aplicar em nossa
operacionalização
das atividades
espíritas, ou
entendermos
melhor o
Movimento
Espírita. Porém,
ainda há espaço
para pesquisas
buscando
elucidar os
diversos
aspectos do
Espiritismo no
Brasil, país tão
rico em
diversidade de
credos, onde há
uma abertura
imensa para que
as
potencialidades
de cada doutrina
sejam
compartilhadas
pela sociedade.
O impacto do
Espiritismo na
sociedade
brasileira é bem
maior do que
muitos podem
imaginar, o que
poderá ser
medido em
pesquisas sérias
nos meios
acadêmicos ou
por estudiosos
do Movimento
Espírita, sempre
usando o bom
senso, abordagem
adequada e
embasamento
teórico para
fundamentação
das conclusões;
em outras
palavras,
produzir
conhecimento com
método, como fez
Kardec. Acredito
que ainda
estamos presos a
comportamentos
historicamente
construídos em
contextos
diferentes dos
atuais,
justificados e
coerentes em
outras épocas.
Somos uma
proposta
doutrinária
dentro de um
contexto e
mentalidade
fortemente
católicos, dada
a formação do
nosso povo.
Precisamos
identificar e
quebrar certos
paradigmas que
não conseguimos
enxergar sem nos
distanciarmos e
isto é possível
quando
realizamos uma
pesquisa bem
estruturada.
Suas
considerações
finais, por
favor.
Somos a nação
com mais
espíritas no
mundo. Temos
instituições
fortes,
consolidadas,
comprometidas
com a divulgação
da Doutrina
Espírita. O
Espiritismo no
Brasil é um
fenômeno
riquíssimo em
termos de
possibilidades
de vivência
pacífica e
produção de bens
culturais,
contribuindo
para a riqueza
cultural de um
povo que pode
contribuir muito
para o futuro de
paz e progresso
almejado para a
sociedade
terrena. Que
cada um busque
conhecer e
vivenciar
exemplarmente
aquilo que
conseguimos
entender sobre a
Doutrina
Espírita,
revelada pelos
espíritos
superiores há
mais de um
século, quando a
humanidade
entrou num
estágio de
evolução
material e
científico que
requer que
sejamos mais
responsáveis por
nós, pelo
próximo e pelo
mundo que
habitamos.
(1)
A dissertação de
mestrado citada
nesta entrevista
está disponível
na Web. Eis o
link:
http://migre.me/wgt3g