Jerônimo
Mendonça:
“Ninguém pode
ser feliz no
egoísmo”
Dois meses antes
de sua
desencarnação, o
saudoso confrade
mineiro externou
seu pensamento
acerca de pena
de morte,
fé,
dor, vivência
evangélica,
viciações e
felicidade
|
Natural de
Ituiutaba
(MG), onde
nasceu em 1º de
novembro de
1939, Jerônimo
Mendonça Ribeiro (foto)
faleceu aos 50
anos de idade em
26 de novembro
de 1989, pouco
mais de 20 anos
atrás. Foi ele,
como sabemos, um
grande
trabalhador, palestrante e
escritor espírita,
que muito
trabalhou pela
divulgação da Doutrina
Espírita.
Tetraplégico e
preso por muitos
anos a uma cama
ortopédica,
além de cego,
ficou conhecido
no meio espírita
como O
Gigante Deitado.
Dois meses antes
de seu
falecimento, em
|
setembro
de 1989,
Jerônimo
esteve
em
Votuporanga,
interior
do
Estado
de São
Paulo,
para
palestras
no
Centro
Espírita
Emmanuel
e no
Centro
Espírita
Humberto
de
Campos,
oportunidade
em que
nos
concedeu
a
entrevista
que se
segue: |
BRASIL CORAÇÃO
DO MUNDO
– Jerônimo,
nota-se na
sociedade
brasileira, de
um modo geral,
um grande
descrédito para
com a
administração
pública,
desesperança no
quadro social e
indiferença no
trato com os
valores nobres
da vida. Por que
isso vem
ocorrendo?
Jerônimo
Mendonça
–
Indubitavelmente
que isso é fruto
de uma
transição, que o
próprio planeta
em si atravessa.
E o Brasil não
poderia ser
diferente,
dentro das
conjunturas, das
provações que
todos nós ainda
temos que
passar. Mas
temos que
acreditar no
amanhã melhor,
confiar nos
verdadeiros
homens de bem,
que sabem que
tudo isso passa
deixando conosco
o resultado
benéfico de uma
experiência.
Afinal, a vida é
uma escola
permanente de
exemplos
constantes, e
nós espíritas
temos que ver
essa transição
com os olhos do
otimismo
colocados no
futuro. Hoje a
dificuldade, os
contratempos, a
inversão de
valores, a
violência, o
desamor, mas
amanhã será o
reinado de paz e
de esperanças.
Queiramos ou
não, o Brasil
será o Coração
do Mundo e a
Pátria do
Evangelho.
PENA DE MORTE
– Nunca se falou
tanto em pena de
morte no Brasil
como na
atualidade.
Movimentos de
pressão se
levantam pedindo
a pena capital
para os
causadores de
delitos mais
graves. Como o
senhor vê isso?
Jerônimo
Mendonça
– Nós sabemos
perfeitamente
que a violência
não se extingue
com a violência.
É como se nós
tentássemos
apagar um
incêndio
atirando-lhe
combustível. A
pena de morte
para nós seria
um retrocesso,
principalmente
nós brasileiros,
que somos um
povo pacífico
por índole. E um
dos mandamentos
da Lei de Deus é
muito claro e
vem de forma
imperativa: “Não
matarás”. Então
a violência não
resolverá o
problema da
violência. Vamos
orar para que
esse processo de
ideias
obsessivas não
alcance o
emocional e a
razão dos homens
de bem, porque,
apesar de todos
os pesares, o
amor é o grande
caminho da
felicidade
humana.
– Como deve
posicionar-se o
cristão que
verdadeiramente
deseja
contribuir para
a implantação de
uma nova ordem
social na
Terra?
Jerônimo
Mendonça
– Cumprindo cada
qual de nós, com
dignidade, os
nossos deveres.
Sendo fiéis aos
nossos
postulados, com
mais espírito de
desprendimento e
abnegação pela
causa humana e
social. Sabendo
que o discípulo
de hoje deve
espelhar-se no
retrato vivo do
Mestre de
sempre, que
soube que o
caminho mais
perfeito dessa
integração com
Deus e com a
felicidade
perfeita é o
dever cumprido.
Cada qual de nós
saibamos cumprir
os nossos
deveres dentro
de nossos postos
de trabalho, eis
aí o resultado
da vitória.
VIVÊNCIA
EVANGÉLICA
– Jerônimo, se
já temos
notícias dos
imprescindíveis
ensinamentos de
Jesus, por que
encontramos
tantas
dificuldades em
vivenciá-los?
Jerônimo
Mendonça
– É porque nós
temos o
evangelho mais
na inteligência
do que no
sentimento. Ele
ainda vive mais
na esfera
mental, no
raciocínio, do
que dentro do
coração como
renovação. Mas
um momento
chegará em que
todos nós,
olhando o
panorama do
pretérito, para
aquelas
verdadeiras
almas que tudo
fizeram na
implantação do
Cristianismo
nascente,
suportando
fogueiras, feras
e tantas
calamidades que
a história
registra,
possamos mirar
nesse espelho do
passado para
termos a
dignidade
espiritual do
presente e
sabermos
testemunhar
Jesus em
quaisquer lances
da vida.
A DOR E O
SOFRIMENTO
– A dor e o
sofrimento são
criações de
Deus?
Jerônimo
Mendonça
– Jamais. Deus,
na sua infinita
perfeição e
bondade, jamais
criaria o
sofrimento para
os seus filhos.
O sofrimento e a
dor são desvios
do
livre-arbítrio
do homem através
dos milênios.
Toda atitude
nossa contra as
leis de amor do
nosso Pai
significa
sofrimento em
nós. Deus jamais
puniria a
humanidade com
fome, miséria,
dor física e dor
moral. Nós é que
criamos essa
conjuntura
cármica. Todo
plantio errado
dá colheita
torta.
VICIAÇÕES
TÓXICAS
– Jerônimo, o
que você poderia
dizer aos pais
que,
desesperados,
notam os filhos
a trilhar pelos
caminhos
sombrios da
vida,
perdendo-se
pelas veredas
das fantasias e
das viciações?
Jerônimo
Mendonça
– Mais amor a
esses filhos,
mais espírito de
entendimento das
dificuldades
psicológicas e
dos processos
obsessivos que
às vezes
comandam as
cabeças jovens.
O Espírito volta
à reencarnação
trazendo consigo
as tendências
não superadas do
pretérito e às
vezes não
encontra um lar
tão bem
estruturado
evangelicamente;
então, ao invés
de essas
tendências serem
combatidas, elas
são alimentadas
pelos exemplos
ainda falhos dos
seus próprios
tutores
espirituais.
Então,
paciência, fé,
muita abnegação,
muita capacidade
de perdoar e
entregá-los a
Deus, sem deixar
o barco à
matroca.
O QUE É TER FÉ?
– Jesus afirmou
que quem tivesse
fé do tamanho de
um grão de uma
mostarda poderia
transportar
montanhas.
Perguntamos: O
que é ter fé?
Jerônimo
Mendonça
– Fé, segundo o
Espírito
Emmanuel, é
visão da vida, a
lógica da vida
em si. O
lavrador sabe
que na semente
está
embrionariamente
a árvore do
amanhã, mas se
ele não tiver fé
na sua própria
certeza de que
plantando dá,
aquela semente
vai permanecer
apenas como
embrião. Então
fé não nos vem
por osmose, é
uma conquista de
cada um no tempo
e no espaço, e
dentro da
Doutrina
Espírita essa fé
perde aquele
caráter apenas
místico para ser
uma fé
eminentemente
racional. É
conhecer, é
saber de onde
viemos, o que
estamos fazendo,
o que é a vida e
para onde vamos.
É ter noção de
rumo e de
caminho: esta é
a fé.
FELICIDADE
– Jerônimo, como
podemos
encontrar a
felicidade que
tanto
almejamos?
Jerônimo
Mendonça
– A felicidade é
uma troca, o
amor é fusão.
Ninguém pode ser
feliz no
egoísmo, no
exclusivismo,
entregue à
marginalidade de
uma situação,
qualquer que ela
seja. Felicidade
é participação,
é a improvisação
da felicidade
dos outros, pois
é dando que se
recebe.