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Ano 5 - N° 232 - 23 de Outubro de 2011

CHRISTINA NUNES
cfqsda@yahoo.com.br
Rio de Janeiro, RJ (Brasil)

 

Considerações sobre o suicídio 

Parte 2 e final
 

 

No final da primeira parte deste artigo dissemos que neste mundo, por imposição do poder religioso, habituamo-nos a conceber o funcionamento da existência humana como uma viagem que começa no berço e acaba inapelavelmente no túmulo, tendo como único reconforto a esperança de que, talvez, se formos bonzinhos e livres de pecados, poderemos ir para o tal de céu!

Ora, ser livre de pecados é jogo perdido na nascente, já que o conceito de pecado é mal estruturado, e o real crescimento se prende, antes, e obrigatoriamente, a ensaio e erro – àquele mesmo tipo de mecanismo simplista que diz à criança que não deve colocar a mão no fogo para não se queimar!

O ser humano nasce, então, e cedo se descobre, ou carregado demais de culpas para atingir o hipotético céu (já que a recompensa vem sempre depois, só depois, e de modo algum no aqui e agora!), e, portanto, já destinado ao limbo ou ao tal do inferno, ou – se dispuser de um espírito mais lúcido e sofisticado em entendimento, mas, por outro lado, tão perdido de compreensão das realidades maiores da Vida quanto qualquer religioso ingênuo – logo se vê saturado de um tédio natural e decorrente da situação de quem está como que lacrado dentro de uma caixa de sapatos apertada, sem escoadouro, sem alternativas. Na riqueza ou na pobreza, tudo o que tem em mãos é o que a fugaz trajetória neste mundo perdido no Cosmos oferece: suas limitações humanas, seus desejos não satisfeitos, suas fraquezas e alegrias passageiras, e seus bens, que logo passarão às mãos de outros, quando da sua despedida deste mundo...

E então, por vezes, o indivíduo, na tentativa de suprir um vácuo que a ele mesmo é ininteligível, subjugado por certo tipo de compulsão..., vai acumulando mais bens, e mais, nos casos em que a riqueza material o favorece.

Só que isso não preenche o estranho vácuo. Assim como as teorias acerca de apenas uma só vida, e o céu e o inferno, não atendem à compreensão daqueles que, meras marionetes na massa populacional no mundo, não atinam com o propósito maior das coisas, e com esta engrenagem aparentemente arbitrária que lhes governa as vidas, se atirando assim, por instinto, vencidos, à mediocridade alienante da luta pela sobrevivência, sem nem ao menos uma parada para reflexão.

Resta-lhes, portanto, o cansaço espiritual a inspirar-lhes, volta e meia, o mesmo tédio avassalador que a outros sugere a estranha falta de sentido numa existência confinada entre as paredes da imensa caixa que é este mundo – nosso objetivo único, segundo as explicações insuficientes ventiladas pelos criadores da fé cega. 

A vida é eterna! E, no panorama material, a expressamos de dentro de variadas situações 

Este, portanto, o estrago supremo nas mentalidades de todos os últimos séculos de um obscurantismo de ordem espiritual, outorgado a pulso dos interesses de poder e de manipulações religiosos. Roubou-se do ser humano o conhecimento puro e simples de um mero mecanismo evolutivo na jornada do homem rumo às luzes maiores da vida; mecanismo, entretanto, conferidor de liberdade e de uma autossuficiência que nos ensina, através das lições do nosso próprio cotidiano, que somos nós os criadores, em última análise, dos nossos destinos, e que a história toda, em função disso, possui desdobramentos, sendo bem mais vasta do que sugere o pequeno enredo de uma só vida vivida no nosso acanhado mundo, diminuto entre os gigantes do céu estrelado e infinito; que não precisamos nos desesperar, porque a força e a capacidade de superação das dificuldades no nosso aprendizado começam e terminam em nós mesmos, assim como as diretrizes do que virá depois, em consequência – e não nalgum deus humanizado, despótico e arbitrário, mais ainda do que nós o somos nas nossas limitações –, punindo e recompensando nalguma situação atemporal alheia ao presente, segundo contrariemos ou não os seus ininteligíveis caprichos; que, enfim, não precisamos cometer a idiotice de nos deixarmos iludir pela tentativa improfícua de dar fim ao que, de si, não tem fim: a Vida, que há de pulsar em nós e apesar de nós, em quaisquer dimensões onde nos pilharmos em decorrência das nossas decisões, movidas ou não por desespero, e cobrando-nos, sempre e em qualquer época, posicionamento perante as consequências das nossas escolhas!

A vida é eterna! E, no panorama material, a expressamos de dentro de variadas situações e papéis desempenhados ocasionalmente, em meio ao nosso infindo percurso evolutivo. Neste mister, criamos, literalmente, os lances mais ou menos dramáticos no nosso caminho, por intermédio do uso das escolhas de nosso livre-arbítrio, que – só estas! – atraem para nós todo tipo de consequência bem ou mal-aventurada, por lei de efeito respondendo a uma causa, e por nada mais!

É um conceito e tanto no tocante às responsabilidades que nos cabem quanto aos nossos próprios atos e pensamentos, e que, por isso mesmo, cobram funda maturidade espiritual de cada um de nós. Porque põe um basta definitivo a anjos, a demônios e a um tipo de Deus despótico e vingador que nada mais faz que nos julgar durante todo o tempo! É a noção de uma liberdade irrestrita e maravilhosa que, todavia, como tudo, cobra o seu preço: o de se enfrentar tudo sem desfalecimentos, já que, aqui ou em qualquer lugar, nunca encontraremos o fim do túnel – e faremos da vida exatamente o que queremos que ela seja. 

Suicídio inconsciente foi a causa da desencarnação do autor do livro Nosso Lar

Em Nosso Lar, obra psicografada pelo saudoso Chico Xavier, e que teve a sua deslumbrante versão cinematográfica ano passado, o autor espiritual, André Luiz – vale repetir! –, relata das suas angústias, vivenciadas ao ser recebido como suicida inconsciente por tutores e médicos amáveis e lúcidos na cidade espiritual, após demorado estágio de sofrimento nas paragens do umbral. (1)

"– É de lamentar que tenha vindo pelo suicídio.

(...) Senti que singular assomo de revolta me borbulhava no íntimo. Suicídio? Recordei as acusações dos seres perversos das sombras. Não obstante o cabedal de gratidão que começava a acumular, não calei a incriminação.

Creio haja engano asseverei, melindrado. Meu regresso do mundo não teve esta causa. Lutei mais de quarenta dias, na Casa de Saúde, tentando vencer a morte. Sofri duas operações graves, devido à oclusão intestinal...

Sim esclareceu o médico (...) , mas a oclusão radicava-se em causas profundas (...) O organismo espiritual apresenta em si mesmo a história completa das ações praticadas no mundo (...) A oclusão derivava de elementos cancerosos, e estes, por sua vez, de algumas leviandades do meu estimado irmão, no campo da sífilis (...) Seu modo especial de conviver, muita vez exasperado e sombrio, captava destruidoras vibrações naqueles que o ouviam. Nunca imaginou que a cólera fosse manancial de forças negativas para nós mesmos?”. (Obra citada, pág. 32.)

Útil a qualquer época que de tempos em tempos lancemos mãos destas vertentes valiosas de ensinamentos vindos da espiritualidade assistente aos reencarnados, para ponderar acerca de nuances de nosso comportamento, de molde a que talvez, e inadvertidamente, amanhã ou depois nos vejamos, para nossa desagradável surpresa, incluídos no quadro lamentável descrito com destemor pelo autor desencarnado, da obra acima mencionada.

Além da explicação destacada no excerto, o médico da cidade das dimensões invisíveis aos reencarnados ainda adverte André Luiz sobre uma série de outros fatores cruciais aos quais não deu a devida atenção enquanto entretido com os lances da vida material, e que determinaram sua morte precoce em tal estado íntimo precário.

A despreocupação em considerar a vida de uma ótica mais válida, lembrando-se da Autoria Suprema da criação, atitude que naturalmente nos evoca reverência e respeito por todas as manifestações de vida circundantes – acima de tudo no nosso próximo – nutrindo-se as virtudes da tolerância e da compaixão, que espontaneamente reforçam os vínculos de amor.   

A displicência com relação ao fumo muitas vezes
se utiliza de alegações questionáveis
 

A leveza de viver com hábitos alimentares e de conduta sóbrios, sem o zelo exagerado de prazeres autodestrutivos como o da bebida, do fumo, ou de quaisquer vícios de molde a provocar desequilíbrios no organismo espiritual, a partir do qual, em verdade, se enraízam as desarmonias vibratórias que terminam por desencadear as moléstias mais graves, de ordem física...

Quantas vezes, inadvertidamente, não nos abandonamos a rompantes, excessos, ou a hábitos prejudicais, em primeiro lugar, a nós mesmos, comprovando ainda aqui, e em curto intervalo de tempo, os resultados desalentadores?!

Quanta mágoa e rancor íntimo alimentados em processo quase inconsciente, sem se atentar devidamente que tais emoções vibram em padrão tão pesado e deletério que as repercussões, invariavelmente, atingem em primeiro lugar o nosso estado de ânimo – e, por conseguinte, o desempenho saudável do sistema imunológico – baqueando-nos em depressão contínua e em vícios comportamentais lamentáveis e reincidentes, quais o de queixar-se em demasia ou arengar continuamente com os de nossa convivência?

Em quantas situações a displicência com o fumo, sob alegações questionáveis: "– Meu avô morreu com oitenta e cinco anos e fumou a vida inteira!" –, esquecendo-se convenientemente de que o mesmo avô poderia talvez ter usufruído uma sobrevida de mais cinco ou dez anos, não fosse o hábito lúgubre de intoxicação do delicado aparelho respiratório com o que visualmente, em exames acurados, nos revela resultados em forma de resíduos lamacentos que, se antevistos ao vício indesejável, certamente lançariam o fumante em dúvidas sinceras sobre o se sujar por esta forma agressiva o corpo, de cujo equilíbrio e salubridade depende todo o repertório da qualidade de vida que sustentará durante o seu período de vida?

Quantos vícios degradantes e de repercussões futuras desesperadoras não principiam com a impensada primeira dose?

Quantas atitudes mal sopesadas, e tidas em conta do contexto comum do cotidiano agitado das populações, não vão desencadear um crescendo de outros episódios que haverão de nos escapar por completo do controle, com resultados infelizes de dimensões inimagináveis a curto ou médio prazo?  

O suicídio inconsciente se constrói em processo
paulatino, dia a dia, gota a gota
 

Quantas intrigas pelo vício do mau uso da palavra contra o semelhante; quantos embates familiares que destroem diariamente o sossego íntimo de pessoas que em pouco tempo, e sem atinar com as causas atraídas pelas leis energéticas da sintonia, se veem lançadas a sintomas insidiosos e de difícil debelação: enxaquecas renitentes, dores diversas, descontrole nervoso, mal funcionamento intestinal, males cardíacos, enfim, todo um cortejo de moléstias que, mais do que supostamente determinadas pelos fatores ligados às deficiências recorrentes da qualidade de vida do mundo atual, com seus sobressaltos, ansiedades, questionáveis padrões alimentares e de consumo, se fundamentam, em grande soma, em hábitos adotados, por invigilância, antes de tudo por nós mesmos!

É recorrente que indivíduos habituados a gastar mais da metade do tempo falando e se atemorizando a respeito de doenças e fatalidades acabem sendo vitimizados exatamente por aqueles mesmos fantasmas que aterrorizam o seu universo mental. Quem fala demais em dores, inconscientemente atravessa os dias dentro de consultórios médicos atrás de terapias e de tratamentos para imenso cortejo de dores; os que acenam repetidamente para acontecimentos drásticos, surpreendentemente, volta e meia nos chegam com notícias de fatalidades e de lances pungentes dos quais se viram vítimas. Para exemplo, mencionamos o caso de senhora de nosso círculo pessoal de amizades que, após anos a fio temendo acidentes em ônibus, receio que proclamava em verso e prosa a cada conversa com conhecidos, quase todo dia, terminou por sofrer acidente dentro de um desses coletivos, saindo do episódio com vários ferimentos.

O suicídio inconsciente, do que podemos depreender do ensinamento valioso dos mentores da invisibilidade e da observação oferecida pelas nossas vivências, se constrói em processo paulatino, gota a gota. Oportuno, portanto, que a questão seja examinada a tempo e com destemor por cada um de nós, porque, em assim sendo, nunca será tarde para o autoexame que nos previna de incorrer no perfil indesejável descrito por André Luiz, na obra elucidativa dos requisitos íntimos fundamentais a que aportemos, amanhã ou depois, nas colônias ou estâncias das dimensões imateriais, para a continuidade de um aprendizado, tanto quanto possível, orientado por bases saudáveis adquiridas durante as nossas vivências mais recentes – e não como réprobos de nós mesmos, pelo aviltamento voluntário do precioso dom da Vida.


(1) Umbral - esfera espiritual próxima à crosta, de baixa condição vibratória.

 

                                                


 

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