E é nisto que se
resume o
sofrimento: cai
a flor, — e
deixa o perfume
no vento!
Cecília Meireles
[1]
Possivelmente,
para muitos, a
ideia de que o
Reino de Deus, e
portanto a
luminosidade,
encontra-se no
interior das
criaturas vai de
encontro à
constatação
corriqueira do
sofrimento na
vida dos seres.
Como ser luz e,
ao mesmo tempo,
sofrer? –
pode-se
questionar.
Por mais
paradoxal,
porém, que isto
possa parecer, a
realidade
ensinada pelas
mais diversas
tradições tende
a nos levar
nesta direção.
Tratando do
assunto, por
exemplo, Allan
Kardec,
escrevendo sobre
o código penal
da vida futura
segundo a visão
espiritista,
colocaria que o
sofrimento é
inerente ao grau
de imperfeição
do indivíduo.
Por conseguinte,
quanto mais
evoluído, maior
número de
qualidades -
“perfeições”
- e, assim,
menos cota de
aflição.
Desta forma, as
injunções
externas não
seriam as
determinantes do
sofrer, mas as
disposições
internas para se
encarar tal ou
qual situação.
Consequentemente,
aquele que tenha
a visão da
poetisa poderá
ver na dor não
necessariamente
a gênese de um
sofrimento, mas
o desabrochar de
um aprendizado –
de um
perfume.
Todos, portanto,
passariam por
dores – que
nos falam de uma
esfera mais
física,
neurobiológica
–; mas nem todos
experimentariam
sofrimento –
que poderia ser
interpretado no
campo mais
psíquico da
aflição.
[2]
Segundo Buda, a
vida é repleta
de sofrimento
Por isto, a fala
budista
recomenda que o
homem seja
semelhante ao
sândalo que
deixa um aroma
agradável no
machado que o
fere.
Indo, contudo,
além, Buda
constatou algo
semelhante ao já
exposto acima,
dizendo que:
1.
A vida é repleta
de sofrimento[3];
2.
E este
sofrimento é
causado pelo
apego do ser à
ilusão.
3.
A libertação
total do
sofrimento, no
entanto, é
possível, por
meio da
iluminação.
4.
Neste sentido, é
preciso aprender
e seguir o
caminho que leva
à iluminação.
Tais preceitos
são conhecidos
como as quatro
nobres verdades
e, segundo as
tradições do
budismo, foram
vislumbradas
pelo Buda no
momento de sua
iluminação.
Elas seguem o
princípio da
causalidade.
Sendo assim, a
segunda é a
causa da
primeira;
enquanto que a
terceira é o
efeito causado
pela quarta.
Desta maneira,
ao fazer isto, “Buda
começou por
descrever o
problema, depois
explicou sua
causa. Em
seguida, contou
a solução do
problema e
ensinou como
chegar à solução”.
[4]
Quando se
extingue o “eu”,
não há pecado
Verifica-se,
claramente, que,
traduzindo-se
ilusão por
imperfeição e
iluminação por
perfeição, se
tem o mesmo
conceito
kardequiano.
Outrossim, no
bojo do próprio
Hinduísmo,
encontram-se
tais visões. Por
isto, Gandhi
escreveu que
“o Ego é a raiz
de todos os
erros e pecados.
Quando se
extingue o ‘eu’,
não há pecado”.
[5]
Por isto,
Krishna
recomendava,
como meio de se
acabar com a
ilusão/imperfeição,
várias ações,
dentre as quais
– liberação
do orgulho e da
vaidade,
não-violência,
perdão, firmeza,
autodomínio,
ausência de
apego, mente
equilibrada
diante dos
acontecimentos
bons e maus...
Deste modo, ao
que se
depreende,
quando a
luminosidade
divina se fizer
totalmente
presente nas
criaturas, a
realidade de
sofrimento não
mais existirá.
Nesta instância,
passar-se-á por
dores, doenças,
imposições
atrozes e até
mesmo injustiças
mundanas;
ter-se-á,
contudo,
serenidade e
paz,
constituindo
todas estas
situações, como
escreveu a
poetisa, em
perfumes de
engrandecimento
da alma.
“No mundo,
passais por
aflições; mas
tende bom ânimo;
eu venci o
mundo.” - Jesus
[6]
Leonardo
Machado,
radicado em
Recife-PE, é
médico residente
na área da
psiquiatria e um
dos
colaboradores
desta revista
[1]
Poesia extraída
do livro
"Antologia
Poética”
[2]
Esta
diferenciação
não é
necessariamente
científica ou
aureliana,
contudo está
posta desta
maneira para
facilitar a
diferenciação, e
a compreensão,
destas duas
esferas.
[3]
Ou insatisfação,
segundo alguns.
[4]
Explicações
dadas pelo monge
Hsing Yün
[5]
Em comentários
ao Bhagavad Gita.
[6]
João 16:33