“Oh, Mestre!
Fazei que eu
procure mais
consolar que ser
consolado;
compreender que
ser
compreendido;
amar que ser
amado...
pois é dando que
se recebe;
é perdoando que
se é perdoado...
e é morrendo que
se vive para a
vida eterna!”
(Trecho da
Oração pela
Paz.)
Diálogo comum do
cotidiano, nos
dias atuais: Uma
filha e sua mãe
estão na
cozinha,
sentadas,
comendo um
delicioso pedaço
de bolo, com
leite e café. A
criança,
demonstrando
certa angústia,
comenta: “Mamãe,
tenho medo de
morrer”. De
olhos
arregalados e
coração
descompassado, a
mãe bate três
vezes na madeira
da mesa e
afirma, com voz
firme: “Imagine,
menina! Vire
essa boca pra
lá! Você tem uma
vida inteira
pela frente, não
vai acontecer
nada de mal com
você!”.
A filha silencia
e aprende, com
esta atitude,
três conceitos:
1. O assunto
morte deve ser
evitado.
2. A morte é
algo distante,
só acontece com
os de longe ou
quando estamos
bem velhinhos.
3. Certos
rituais, como,
por exemplo,
bater três vezes
na mesa, pode
ajudar a afastar
a morte de
nossas vidas.
Ou seja, a
criança acabou
de aprender três
mentiras que
possivelmente
irá difundir
para as próximas
gerações.
Agora imaginemos
que a prima da
menina de nossa
história veio a
desencarnar dias
após a cena
descrita acima.
Então, bastante
aflita com
aquela situação
inusitada, a
menina,
chorando,
pergunta: “Para
onde foi a minha
prima?”
E a mãe,
ansiosa,
responde: “Não
fique triste,
querida... não
chore! Ela está
bem... ela se
tornou uma
estrelinha e
estará para
sempre brilhando
no céu. À noite,
iremos até a
janela e
poderemos
vê-la”. Neste
momento a menina
aprendeu dois
novos conceitos:
1. Não devemos
expressar nossa
tristeza por
causa da morte
de alguém.
2. Quem morre
vira estrela,
fica imóvel e
brilha à noite.
Nada de
brincadeiras,
nem bolo de
chocolate, nem
abraços da mãe.
Acabou tudo.
Sobrou apenas o
brilho na noite
escura...
Philippe Ariès,
historiador
francês,
especialista da
era medieval no
ocidente
conta-nos que,
no passado, a
morte era um
evento público e
social.
Portanto, fazia
parte da vida de
todos, do
cotidiano, sendo
algo a ser
pensado,
refletido,
elaborado.
Naquela época os
homens que
pereciam devido
a doenças ou
mesmo pela
guerra,
conheciam a
trajetória da
própria morte –
o ultimo suspiro
era aguardado no
leito, num
evento
previamente
organizado pelo
próprio
moribundo. A
família
participava
ativamente do
processo de
morrer de seu
familiar; os
rituais eram
cumpridos com
manifestações de
tristeza e dor,
inclusive pelas
crianças.
O moribundo
tinha direito de
morrer entre as
pessoas mais
significativas,
era assistido, e
tinha, portanto,
o que chamamos
de uma ‘morte
digna’, podendo
fechar ciclos,
falar de seus
anseios, de seus
desejos – caso
tivesse tempo
para isso.
Na era medieval,
o terrível era a
morte repentina,
pois nesta
situação
tornava-se
difícil, se não
impossível, as
homenagens
(Paiva, 2011).
Vivíamos uma
intensa e
profunda
representação da
morte sem culpa
– a morte era
domesticada,
familiar, quase
encenada. Amigos
e parentes do
morto reuniam-se
para assisti-lo
em sua hora
derradeira – “durante
séculos a morte
era um
espetáculo
público que
ninguém pensaria
em esquivar-se”
(Ariès, 2003,
p.22).
Falar sobre a
morte, hoje em
dia, é algo
temeroso,
antiquado
As pessoas
reconheciam a
morte de si
mesmo. Porém,
isso se
transformou. Do
final do século
XVIII em diante
a morte passou a
ser a ‘morte do
outro’. Passou a
ser vista como
uma violação,
uma ruptura, um
fracasso, um
interdito e, na
impossibilidade
de impedi-la,
decidimos
silenciá-la.
Passamos a
colocá-la do
lado de fora da
vida, algo a ser
escondido,
camuflado. Sendo
assim, falar
sobre a morte,
hoje em dia, é
algo feio,
temeroso,
antiquado. Por
outro lado,
existe uma
banalização da
morte. As
crianças recebem
jogos onde matam
pessoas e com
isso,
paradoxalmente,
ganham mais
vidas. Na TV os
documentários
mostram vários
tipos de mortes,
todas com apelo
de espetáculo,
num desfilar de
desesperos
alheios.
Por que será que
isso aconteceu?
Em que momento
passamos a
esconder e a
negar a morte
próxima a nós e
a banalizamos no
contexto social?
Quando foi que
decidimos que
seria melhor
hospitalizar o
doente para que
ele morresse
longe de casa e,
na maior parte
das vezes, com
apenas um
acompanhante ao
lado do leito,
enquanto nos
perdemos,
assustados, com
imagens nas TVs
e nos jornais?
Por que temos
tanto medo de
falar sobre o
inevitável,
deixando de
refletir sobre
tantas
possibilidades?
Para melhor
compreendermos a
atualidade,
precisamos
voltar um pouco
nossos olhos ao
passado. No
século XIX, após
o advento do
iluminismo, com
as suas ideias
inovadoras,
surge um
movimento
batizado como
positivismo,
idealizado pelo
sociólogo
francês Auguste
Comte. Nestes
novos tempos, a
única forma
aceitável de
conhecimento
eram os nascidos
a partir das
ciências dita
‘naturais’,
através das
observações
empíricas.
Iniciou para o
mundo a era do
intelecto, em
contraposição às
regras
teológicas da
era medieval.
Apenas através
do uso da razão
o homem poderia
se aproximar da
verdade. Não
existiria,
segundo esta
nova forma de
pensar, outro
meio para isso.
Então, baseado
nas ciências
médicas, onde o
bom era o limpo,
o higiênico, o
puro, o
saudável,
iniciou-se um
movimento de
higiene social,
onde a morte
torna-se
incabível por
denunciar um
fracasso da
ciência, do bom,
do saudável. A
morte passa a
ser vista como
um erro, um
distúrbio, algo
sujo que deve
ser escondido.
No século XX, a
hospitalização
dos doentes
terminais e a
distanásia¹
tornaram-se
práticas comuns.
E assim é.
Hoje,
continuamos
evitando falar
da morte, com
medo de que ela
venha e nos leve
embora. Temos
receio de sentir
a angústia da
nossa própria
finitude, então
decidimos que
não temos de
comentar sobre
isso.
E, entre os
espíritas, como
é falar sobre a
morte? Para nós,
a morte só diz
respeito ao
corpo, mas,
mesmo assim,
mesmo sabendo
desta bênção que
é a vida após a
vida, muitos
espíritas
continuam
respondendo as
perguntas
relativas à
morte de maneira
parecida com a
mãe de nossa
história: “Credo!
Vira esta boca
pra lá!”. Poucos
aceitam esta
possibilidade
com
tranquilidade,
acatando que
esta é uma
realidade
inevitável e que
é preciso
refletir sobre
ela. Poucos
respondem: “Pode
ser que tenhamos
de partir ainda
hoje, realmente,
então é melhor
nos organizarmos
todos os dias
para isso”.
É urgente levar
o tema morte
para as escolas
Outro aspecto a
ser salientado é
a percepção do
despreparo que
os profissionais
da saúde, de um
modo geral,
apresentam para
lidar com o
fenômeno da
morte². Durante
o período de seu
mestrado, Dra.
Lucélia Paiva,
psicóloga com
atuação clínica,
hospitalar e
educacional,
deparou-se com
esta realidade.
Os profissionais
relataram seu
despreparo nas
questões da
morte, o que
gerava grande
angústia – e o
pior – uma
angústia negada,
não falada, não
compartilhada e,
portanto, não
elaborada. A
defesa destes
profissionais
muitas vezes é o
isolamento, uma
distância
psíquica, com a
finalidade de
blindagem
emocional – o
que os ‘protege’
das perdas,
tornando-os, em
contrapartida,
pouco
humanizados. “A
exclusão das
emoções, por
vezes, é
transformada por
meio da
racionalização,
numa técnica
científica,
aparentemente
necessária ao
bom desempenho
do trabalho.
Estamos falando
da pretensa
“neutralidade”,
a qual justifica
a falta de
relacionamento
com o paciente,
protegendo o
profissional do
sofrimento
frente à morte
do outro. Porém,
este fenômeno
também o afasta
da vida e da
consciência de
sua
mortalidade.”
(Quintana,
2009). Foi por
este motivo que
em sua tese de
doutorado, Dra.
Lucélia lançou
um novo olhar
sobre estas
questões,
indicando a
urgência de se
levar o tema
morte para as
escolas,
entendendo que
já de crianças
precisamos ter
contato com esta
realidade, de
acordo com nossa
faixa etária,
numa linguagem
específica,
dentro de um
contexto onde a
criança possa
expor suas
dúvidas, suas
angústias e
anseios,
recebendo, em
contrapartida,
as informações
de que
necessita, o
acolhimento para
seguir adiante,
mais fortalecida
para dar conta,
ao longo de sua
vida, das tantas
situações de
perda que
certamente
acontecerão.
Munidas destas
ferramentas,
poderão, no
devido momento,
escolher suas
profissões de
tal forma que,
cientes dos
desafios
associados,
estas não sejam
fonte de enorme
angústia, ao
mesmo tempo em
que sua atuação
no mundo possa
ser mais eficaz,
mais completa,
mais humana.
Mas como podemos
falar sobre a
morte com
crianças, se
este tema nos
causa tanta dor,
tanto
sofrimento? De
que forma
podemos passar
conceitos,
permitindo
reflexões, com
tanta ansiedade
associada?
Dra. Lucélia
Paiva propõe, em
seu livro A
Arte de Falar da
Morte Para
Crianças,
que utilizemos a
literatura
infantil para
abordarmos este
tema. Citando
Torres (1999),
afirma que “para
falar de morte
com as crianças,
é importante que
se utilize uma
linguagem
simples e direta
com elas, bem
como uma
informação real
acerca da morte,
pois elas têm
uma compreensão
literal da
linguagem”.
E complementa:
“(...) As
histórias
estimulam a
imaginação e
ajudam a criança
a trabalhar com
coisas com as
quais não
consegue lidar.
Ela coloca suas
próprias emoções
na história”.
(Paiva, 2011).
Nós, espíritas,
temos condições
de ajudá-las a
lidar com estas
questões, desde
bem cedo,
utilizando dos
recursos
literários, do
acolhimento, da
escuta
compreensiva,
aliados ao
conhecimento
adquirido com a
Doutrina que
abraçamos.
Segundo Jesus,
aqueles que se
apegam à vida a
perderão
Herculano Pires,
o filósofo
espírita, em sua
obra Educação
para a Morte,
mostra como o
ser humano deve
ser educado, não
só para esta
vida, mas também
preparando-se,
através do seu
aperfeiçoamento
intelectual e
moral, para as
próximas
existências,
dentro do longo
processo
evolutivo. Logo
na introdução da
obra lemos que
“para os
materialistas, o
título ‘Educação
para a Morte’
significa
‘Educação para o
Nada’. Para
aquele, no
entanto, que
entrevê a
imortalidade da
alma, esse
título torna-se
grandioso, pois
ele compreende
que a morte nada
mais é do que o
término de uma
experiência
material e o
retorno à vida
livre do
Espírito”. Mais
adiante, no
primeiro
parágrafo do
primeiro
capítulo, o
autor deixa
claro o objetivo
de seus
escritos: “Vou
me deitar para
dormir. Mas
posso morrer
durante o sono.
Estou bem, não
tenho nenhum
motivo especial
para pensar na
morte neste
momento. Nem
para desejá-la.
Mas a morte não
é uma opção, nem
uma
possibilidade. É
uma certeza.
Quando o Júri de
Atenas condenou
Sócrates à morte
ao invés de lhe
dar um prêmio,
sua mulher
correu aflita
para a prisão,
gritando-lhe:
“Sócrates, os
juízes te
condenaram à
morte”. O
filósofo
respondeu
calmamente:
“Eles também já
estão
condenados”. A
mulher insistiu
no seu
desespero: “Mas
é uma sentença
injusta!”. E ele
perguntou:
“Preferias que
fosse justa?”. A
serenidade de
Sócrates era o
produto de um
processo
educacional: a
Educação para a
Morte. É curioso
notar que em
nosso tempo só
cuidamos da
Educação para a
Vida.
Esquecemo-nos de
que vivemos para
morrer. A morte
é o nosso fim
inevitável. No
entanto,
chegamos
geralmente a ela
sem o menor
preparo”.
(Pires, 1996).
A educação para
a morte seria,
portanto, um “processo
educacional que
tende a ajustar
os educandos à
realidade da
Vida, que não
consiste apenas
no viver, mas
também no
existir e no
transcender”. (Pires,
1996). Nada tem
a ver com saber
de que forma
conquistar o
espaço no céu.
Também não se
trata de
preparar-se
apenas para o
último momento,
mas, cientes da
nossa finitude,
refletir sobre a
vida que
queremos levar,
o que precisamos
fazer, onde e de
que forma
desejamos ir...
Isso tudo é,
fundamentalmente,
uma educação
para a morte que
se traduz na
forma de sermos
no mundo, em
educação para a
vida. E mais:
para a vida além
desta vida, e
assim por
diante.
Por isso Jesus
ensinou que
aqueles que se
apegam à própria
vida a perderão,
e os que a
perdem, na
verdade, a
ganharão.
(Marcos, 8:35).
Só quando nos
damos conta de
que precisaremos
deixar a vida e
que precisamos,
no agora,
trabalhar por
nossa
transcendência,
é que teremos
‘vida em
abundância’, ou
seja, a
verdadeira vida,
a vida do
Espírito – nossa
verdadeira
existência.
As muitas mortes
em uma vida
Até aqui
discutimos,
ainda que
superficialmente,
a necessidade de
falarmos sobre a
morte física – o
in extremis
vitae.
Porém, nós,
seres humanos,
somos
impulsionados
para a evolução
através de mil e
uma mortes em
apenas uma
existência, num
desfilar de
ciclos, de
processos que se
iniciam e se
acabam,
tornando-nos
mais
experientes,
mais maduros, de
acordo com nossa
forma de
enfrentamento
diante de tais
finalizações.
No momento da
concepção,
embora muitos
sinalizem que
ali se inicia
uma nova vida,
podemos afirmar
que,
concomitantemente,
ocorreu uma
morte – o final
de uma fase para
o Espírito
imortal, onde
ele tem de abrir
mão de sua
verdadeira casa
para adentrar
nas densas
garras do mundo
físico, perdendo
sua lucidez
espiritual para
passar a agir
dentro de brumas
espessas,
diminuindo
sobremaneira sua
percepção de
realidade maior.
Em muitos casos
só o
esquecimento do
passado permite
um realinhar
menos traumático
para o
reencarnante.
Notas:
1. Distanásia é
a prática pela
qual se
prorroga,
através de meios
artificiais e
desproporcionais,
a vida de um
enfermo
incurável.
Também pode ser
conhecida como
“obstinação
terapêutica”.
(fonte:
Wikipédia).
2. Tem-se
verificado que
alguns
profissionais da
saúde que não
conseguem
elaborar as
perdas dos
pacientes, tendo
nelas um
conceito de
fracasso
profissional,
exigindo-se mais
do que o
possível [e
ideal], podem
apresentar a
síndrome de
Burnout (do
inglês to
burn out,
queimar por
completo),
também chamada
de síndrome do
esgotamento
profissional,
assim denominada
pelo
psicanalista
nova-iorquino,
Freudenberger,
após constatá-la
em si mesmo, no
início dos anos
1970. A
dedicação
exagerada à
atividade
profissional é
uma
característica
marcante de
Burnout, mas não
a única. O
desejo de ser o
melhor e sempre
demonstrar alto
grau de
desempenho é
outra fase
importante da
síndrome: o
portador de
Burnout mede a
autoestima pela
capacidade de
realização e
sucesso
profissional. O
que tem início
com satisfação e
prazer termina
quando esse
desempenho não é
reconhecido.
Nesse estágio,
necessidade de
se afirmar, o
desejo de
realização
profissional se
transforma em
obstinação e
compulsão.
(fonte:
Wikipédia).
3. Segundo os
Espíritos, a
infância é o
período da vida
física mais
importante para
o
aperfeiçoamento
do Espírito
encarnado, uma
vez que suas
tendências
anteriores estão
adormecidas em
função do
processo
reencarnatório.
É no período da
adolescência,
como nos
esclarecem os
Espíritos na
pergunta 385 de
O Livro dos
Espíritos, que o
Espírito
encarnado começa
a retomar suas
características
de Espírito
eterno em
processo de
evolução.
4. A
Logoterapia é um
sistema teórico
– prático de
psicologia,
criado pelo
psiquiatra
vienense Viktor
Frankl, que se
tornou
mundialmente
conhecido a
partir de seu
livro "Em Busca
de Sentido" (Um
Psicólogo no
Campo de
Concentração),
no qual expõe
suas
experiências nas
prisões nazistas
e lança as bases
de sua teoria.
De acordo com
Allport,
"trata-se do
movimento
psicológico mais
importante de
nossos dias". A
Logoterapia é
conhecida como a
Terceira Escola
Vienense de
Psicoterapia,
sendo a
Psicanálise
Freudiana a
Primeira e a
Psicologia
Individual de
Adler a Segunda.
(fonte:
Wikipédia)
(Este artigo
será concluído
na próxima
edição desta
revista.)