O livro acima e
A Obsessão,
ambos traduzidos
por Wallace
Leal
V. Rodrigues,
trazem subsídios
valiosos para
o
fortalecimento
dos grupos
espíritas
É um grande
prazer apreciar
os prefácios
elaborados por
Wallace Leal V.
Rodrigues – que
foi redator
chefe da Casa
Editora O
Clarim, de
Matão-SP, por
bom tempo, nas
décadas de 60 a
80 –,
especialmente
quando se
referem a obras
de Kardec, que
ele mesmo
traduziu
diretamente dos
originais
franceses.
É o caso de
Viagem Espírita
em 1862 e
A Obsessão,
ambas
traduzidas,
prefaciadas e
editadas no
final da década
de 60 por aquela
editora.
A primeira – que
está comemorando
150 anos desde o
seu lançamento –
traz os
pronunciamentos
do próprio Allan
Kardec a grupos
espíritas que
ele visitou em
viagens de
divulgação
doutrinária
realizadas, como
o próprio nome
diz, no ano de
1862. A segunda
apresenta
inúmeros casos
de obsessão
acompanhados
pelo
Codificador, com
seus
comentários,
análises e,
óbvio, muitos
ensinamentos na
ampliação do
assunto.
Selecionamos
para os nossos
leitores alguns
trechos de dois
prefácios do
tradutor, seja
pela expressão
do texto, seja
pela
oportunidade de
sempre lembrar
Kardec.
Em
A Obsessão,
Wallace comenta:
‘(...) No livro
que iremos ler,
Kardec reúne
casos de
obsessões
manifestadas não
apenas em
indivíduos, mas
também em
grupos, tal o de
Morzines.
Trata-se, pois,
de um
comportamento
social, isto é,
de uma delicada
textura tal as
maneiras como
seres humanos –
os Espíritos são
seres humanos! –
se ajustam ou
não se ajustam
ao meio social,
neste caso
provocando toda
a gama de
desequilíbrios
que Kardec com
tão grande
felicidade
cataloga ao
vivo. (...)
Ocorrência
importante a ser
enfatizada,
principalmente
no meio
espírita, onde
se tem por lema
que “o
verdadeiro
espírita
reconhece-se por
sua reforma
íntima”, é que
não estamos
completamente
cônscios da
maioria das
nossas
“atitudes” nem
da extensa
influência que
elas têm sobre o
nosso
comportamento
social. Mas,
através da tão
citada
“vigilância”,
numa análise
detalhada,
podemos
localizar o
funcionamento de
certas
“atitudes” em
nós mesmos. E
não esqueçamos
de que já agora,
ou amanhã, na
qualidade de
Espíritos,
poderemos,
conforme nossa
“atitude”, ser
classificados
como
“obsessores”.
À primeira vista
a mudança de
“atitudes”
poderá parecer
uma questão
simples, e este
é o erro
Através de
relampejos
introspectivos
das “atitudes”
que funcionam em
nós, tornamo-nos
sensíveis às
“atitudes” de
outras mentes,
vestidas de
carne ou não.
Mas sucede que
num ou noutro
caso nem sempre
as pessoas
revelam
abertamente suas
“atitudes”! De
fato, elas
aprendem,
através de
experiências com
outros, a manter
algumas de suas
“atitudes”
escondidas dos
conhecimentos
casuais ou mesmo
dos amigos mais
íntimos. Em
virtude desse
fato vamos usar
o termo
“tendência de
reação”, em
lugar de
“reação”, apenas
para o terceiro
componente das
“atitudes”, a
fim de indicar
que estas não se
encontram
necessariamente
expressas no
comportamento
ostensivo. E
porque isso se
dá, o êxito da
interação social
redunda,
frequentemente,
no talento para
inferir ou
reduzir a
natureza dos
pensamentos,
sentimentos e
tendências
reativas dos
outros, a partir
de indícios
muito sutis de
comportamento.
Na realidade é
uma
característica
comum do
pensamento
humano fazer
inferências
sobre as
“atitudes” dos
outros e regular
nossas próprias
ações em
conformidade.
Com base em
limitadas e
diminutas
amostras do
comportamento
dos outros,
poderemos
concluir se,
digamos,
tratamos com
pessoa liberal,
compreensiva,
destituída de
preconceitos,
e reagirmos,
então, de
maneira que
considerarmos
mais apropriada.
Mas, embora
todos nós
façamos
deduções, as
pessoas diferem
na capacidade de
fazê-las
corretamente.
(...)
À primeira vista
a mudança de
“atitudes”
poderá parecer
uma questão
simples, e este
é o erro em que
costuma incidir
a maioria dos
doutrinadores de
sessões de
desobsessão.
Pensamos que,
uma vez que as
“atitudes” são
aprendidas,
deveria ser
bastante fácil
modificar a
intensidade
delas ou
substituir uma
“atitude
indesejável”
mediante a
aprendizagem de
outra. O fato
complicado porém
é que as
“atitudes” não
são modificadas
ou substituídas
com a mesma
facilidade com
que são
aprendidas.
(...)
O individuo
crédulo
caracteriza-se
por uma
acentuada
dependência de
outras pessoas e
uma incapacidade
notória para
apreciar de modo
crítico as
proposições
alheias. Essa
combinação de
características
torna-o
especialmente
inclinado a
adotar as
crenças dos
outros ou
quaisquer
proposições
apresentadas com
autoridade.
O Livro dos
Espíritos e O
Livro dos
Médiuns
tinham-se
constituído
desde logo em
êxitos de
livraria
No outro extremo
situa-se o
indivíduo
altamente
resistente à
persuasão, a
quem falta,
frequentemente,
a capacidade de
compreender o
material
comunicado. É
habitualmente
negativo à
autoridade,
rígido e obtuso
em seu
pensamento e
voluntariamente
desatento a
novas ideias, de
onde a
necessidade, por
parte das
Divinas Leis que
nos regem, do
imperativo da
Dor como
derradeiro
recurso de
persuasão para o
Bem. (...)
Por tudo isto
Jesus propõe tão
seriamente o
“orai e vigiai”.
(...)’
Já em Viagem
Espírita em 1862,
lemos:
‘(...) é o
próprio
Codificador,
lúcido e
desperto, que se
encarrega de
iniciar a
divulgação das
verdades
espíritas
através das
tribunas. Em
seguida a ele,
em perfeita
coordenação,
surgirá Léon
Denis.
Em um como em
outro, e tal
como sucede
ainda em nossos
dias, a
preocupação se
converge para
uma ética que,
em sendo, até
certo ponto,
patrimônio das
mais antigas
culturas, era,
praticamente,
apenas “letra
que mata”; agora
vai ser
“espírito que
vivifica”,
subversiva no
sentido de
arremeter do
exterior para o
interior, da
teoria para a
ação. Seu
caráter
renovador
torna-a
evangelicamente
desmistificada e
autenticamente
apostolar, o que
nos leva a
estabelecer a
comparação com o
livro dos
“Atos”, essa
crônica de
viagem, durante
a qual os
inúmeros
personagens têm,
o tempo todo, os
lábios
entreabertos,
como que
preparados para
traduzir em
palavras o
pensamento da
Boa Nova, em
especulações
sobre ações
passadas e
presentes, que
se acumulam em
seus espíritos
com a força do
rio comprimido
contra as
paredes de uma
barragem.
Esta “Viagem
Espírita de
1862” é qualquer
coisa de
semelhante e
assim Allan
Kardec nela se
comporta. (...)
“O Livro dos
Espíritos” e “O
Livro dos
Médiuns”
tinham-se
constituído,
desde os seus
lançamentos, em
êxitos de
livraria, e o
seu autor se
fez, de
imediato,
notado.
Dilacerada por
uma acabrunhante
tristeza, a
Humanidade
disputava
pensamentos
capazes de
oferecer uma
nova e veraz
interpretação
para tudo quanto
pudesse ser
julgado de real
importância. As
religiões
apresentavam os
sinais de uma
incurável
senilidade e
deixavam de ser
o “freio”
esterilizante;
mas a ética que
tresandava do
ensino
comunicado pelos
Espíritos
Superiores podia
ser considerada
não como “uma
religião”, mas a
própria
“Religião”,
surgindo de uma
tenebrosa noite
sufocada pelo
fumo acre que
tresandava a
carne humana
assada nas
fogueiras.
Em Lyon ocorreu
o primeiro
encontro de
dirigentes
espíritas: de um
lado, Dijou; de
outro, Kardec
O seu símbolo
não era o
“freio”, porém a
“chave”, e nisso
estava implícito
ao mesmo tempo
uma esperança e
uma ameaça.
Havia algo de
esgotante e
doentio naquele
decisivo século
XIX, em que o
homem alcançara
o superlativo de
uma técnica
elaborada em um
suceder
inimaginável de
gerações: a de
amar tão bem,
amando tão
pouco. (...)
Noite! 19 de
setembro de
1860. Kardec é
recebido no
Centro Espírita
de Broteaux, o
único existente
em Lyon. À porta
esperam-no Dijou,
operário, chefe
de oficinas, e
sua esposa.
Este é, na
História, o
primeiro
encontro de
dirigentes
espíritas. Dijou
encontra-se à
testa do grupo
lionês; Kardec
desempenha as
funções maiores
na “Societé”
parisiense. A
mão do emérito
pensador aperta
vigorosamente os
dedos calosos e
ásperos do
companheiro, a
quem chama
“irmão”. No
olhar grave que
trocam vê-se que
mutuamente se
entendem: embora
em planos
diferentes, suas
responsabilidades
se equivalem.
Transpostos os
portais, o
coração de
Kardec se
rejubila. O
“milagre” a que
tantas vezes já
fizera menção,
sempre com
arrebatamento e
orgulho, o
grande feito que
compete à
doutrina
espírita
realizar,
consubstancia-se
ali, ante seus
olhos; e é um
mentor
espiritual,
Erasto,
em sublime
epístola
dirigida à
comunidade
lionesa, quem
vai encontrar
palavras para
vestir a emoção
do Codificador:
"Não podeis
imaginar quanto
nos é doce e
agradável
presidir ao
vosso banquete,
onde o rico e o
operário se
abraçam,
bebendo à
fraternidade!”.
Kardec dirige-se
à tribuna
singela e o
Centro Espírita
de Broteaux,
pelo futuro em
fora, será
lembrado como o
local da pira.
Ali é aceso o
fogo sagrado que
empunharão,
através dos
séculos, todos
aqueles que se
compromissaram,
mesmo ao preço
de injúrias,
suor e lágrimas,
a divulgar as
glórias do
Espiritismo pela
bênção da
palavra. (...)
No outono de
1862 deixa Paris
para sua
terceira viagem
de propaganda
espírita. Esta
será a mais
extensa a ser
feita em toda a
sua vida e se
alongará até
Bordeaux.
Precisa
constatar o
processo de
fermentação. O
mundo do homem
encarnado era um
mundo enfermo
que se tentava
analisar dentro
dos quadros da
psicologia ou da
filosofia. Mas
tudo aquilo era
susceptível de
mais de uma
explicação.
Os conceitos
contidos em
Viagem Espírita
em 1862
continuam atuais
e fundamentais à
conduta dos
espíritas
Kardec preparou,
com zelo
habitual, o
material de sua
oratória e, de
fato, o seu tema
de eleição está,
melhor do que
nunca, expresso
no legado dessa
viagem.
Tudo quanto vai
dizer é fruto de
uma experiência
pessoal. Essa
experiência
caminha para nós
e a voz que a
expressa, apesar
dos anos, nada
tem de
debilidade.
Entre o homem e
sua felicidade,
ergue-se a
Sombra, a
terrível paixão:
o Egoísmo. Isto
é uma espécie de
grito que
precisa ser mil
vezes repetido,
até que o grande
obstáculo, a
Sombra, seja
reconhecida como
o pior dos
inimigos.
Enquanto isso
não se faça
todos estaremos
excluídos da
felicidade que
desejamos
partilhar. (...)
André Moreil, o
mais recente
biógrafo de
Kardec, comenta
a “Viagem
Espírita em
1862” nos
seguintes
termos: “Essa
grande viagem
foi, mais tarde,
publicada em
obra especial,
que se tornou
auxiliar
indispensável
aos grupos
espíritas, tanto
no que concerne
à doutrina,
quanto no que
diz respeito à
organização e
administração
das sociedades
espíritas”.
Cremos que este
livro não foi,
até o momento,
editado em
língua
portuguesa.
Lançamo-lo não
apenas por sua
alta qualidade
doutrinária, mas
ainda como uma
adesão da “Casa
de Cairbar
Schutel” às
comemorações do
1º
Centenário de
Desencarne de
Allan Kardec,
ocorrido em
1869.
Os conceitos
nele contidos
são tão atuais e
frescos, tão
fundamentais à
boa conduta das
entidades
espíritas, que
poderiam ter
sido escritos em
1962. O leitor
arguto e atento
fará aqui mil
descobertas de
transcendental
valor. Cem anos
transcorridos,
as instruções de
Kardec são ainda
perfeitamente
aplicáveis e uma
garantia para a
pureza
doutrinária.
Caracterizam-se
pela firmeza,
lucidez e
responsabilidade.
Finalmente, o
seu curioso
modelo de
Regulamento, o
antepassado dos
atuais estatutos
das sociedades
espíritas, é um
exemplo de
ponderação, de
repulsa ao
misticismo e uma
revelação de
alto espírito
universalista.
A “Viagem
Espírita em
1862” é obra em
que, de singular
maneira, o
“homem” Allan
Kardec se nos
revela com sua
consciência
histórica e, em
súbitos clarões,
permite que o
vejamos bem
próximo de nós,
o ser que já
realizou o que
intentamos, isto
é, a substancial
reforma interior
que, só ela,
possibilita a
mágica
interação: a
criatura vivendo
no Espiritismo,
o Espiritismo
vivendo na
criatura”.’
Nada mais
ousamos
acrescentar. O
texto é por
demais oportuno
para graves
reflexões.