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Ano 7 - N° 357 - 6 de Abril de 2014

PAULO DA SILVA NETO SOBRINHO
paulosnetos@gmail.com

Belo Horizonte, MG (Brasil)

 
 

Paulo da Silva Neto Sobrinho

Só por equívoco Chico Xavier foi Kardec

"Há duas maneiras de ser enganado. Uma é acreditar no que não é verdade; a outra é se recusar a acreditar no que é verdade.” (Søren Kierkegaard)


Em busca da verdade, continuamos as pesquisas sobre as supostas reencarnações de Kardec, para ver até onde vai a falta do bom senso entre alguns espíritas, que mais se parecem com os fiéis fundamentalistas, que bem conhecemos de outras religiões.

Temos em mãos o livro “Até sempre, Chico Xavier”, de autoria de Nena Galves, publicação do Centro Espírita União, no qual encontramos mais alguma coisa que ajudará em muito a solução do caso de Chico ser ou não a reencarnação de Allan Kardec.

Indiscutivelmente D. Nena Galves foi amiga de Chico, o que ela demonstra com várias fotos, talvez para que não pairasse nenhuma dúvida sobre isso. Um detalhe que nos chamou a atenção é que ela não teve a mínima preocupação em identificar quem foi Chico na reencarnação passada, como alguns dos que dizem ser seus “amigos” espalham, a nosso ver, sem provas convincentes, que ele teria sido Kardec.

O capítulo dois tem o título “Reencontro de corações”, de onde transcrevemos:

Os bons ou maus momentos que passamos são sempre lembrados, são pontos definitivos em nossas vidas.

Maio de 1959 é data que recordamos com imensa alegria.

O encontro com Chico Xavier fez florescer na memória atual reencarnações passadas na Espanha e na França. Chico nos confidenciou que nos reconheceu imediatamente. Galves e eu sentimos uma atração imensa, uma grande afeição, e quando Chico tomou as mãos de Galves e as minhas entre as suas e as beijou, tivemos a certeza de que suas mãos e as nossas já haviam estado unidas num passado distante. Foi uma volta a tempos longínquos e um despertar no presente. Tivemos a impressão exata de que nos localizávamos no espaço e no tempo. (GALVES, 2011, p. 19, grifo nosso).

Chico Xavier teria sido Flávia, personagem de Há Dois Mil Anos? – No texto acima transcrito é taxativo o fato de que Chico viveu na Espanha e na França, com o casal Galves, o que derruba a tese dos que defendem ter sido ele Kardec, e confirma o que Carlos Alberto Braga Costa afirma na obra Chico Xavier, diálogos e recordações..., sobre as reencarnações anteriores de Chico, conforme se pode ver em meu artigo intitulado “Supostas reencarnações de Chico Xavier”, disponível no meu site pelo link:  (http://www.paulosnetos.net/index.php/viewdownload/5-artigos-e-estudos/414-supostas-reencarnacoes-de-chico-xavier).

No texto “Chico Xavier foi Ruth-Céline Japhet”, publicado na revista eletrônica digital O Consolador(1), o autor Luciano dos Anjos também apresenta várias reencarnações do Chico, embora em quantidade superior às apresentadas por Carlos Alberto, a maioria confirma as listadas por ele(2). Destaque especial para Ruth-Céline Japhet, uma das médiuns que colaborou com Kardec quando da elaboração das obras da Codificação Espírita.

Encontramos algo interessante num trecho da fala de Chico Xavier na entrevista a Fernando Worm, publicada no livro Lições de Sabedoria:

FW – Muitos estão convictos de que em Há Dois Mil Anos, você encarnou a personagem Flávia, filha dileta do respeitável senador Públio Lêntulus. A mesma convicção se volta para Célia, personagem de 50 Anos Depois. De então para cá você tomou conhecimento, por via espiritual, das outras encarnações que vivenciou até a atual existência?

[Chico Xavier] A suposição de que tenha sido personagem nos romances de Emmanuel parte de companheiros amigos, não de mim. Sinto-me, realmente, uma criatura de evolução muito acanhada, ainda com muitos defeitos a corrigir, e, nos primeiros séculos do Cristianismo, sem dúvida que a minha condição deveria ser muito pior que a de agora. (7/77). (NOBRE, 1997, p. 159).

Chico, segundo D. Nena Galves, teria vivido na Espanha – A nossa impressão é que Chico, nas entrelinhas, confirma que foi Flávia Lêntulus, ora, tal fato, se verdadeiro, vem corroborar a lista das reencarnações anteriores de Chico que  Carlos Alberto e Luciano dos Anjos propõem e não a que termina em Kardec. Percebe-se, também, que Chico sempre se coloca como um endividado perante as leis divinas, razão pela qual diz precisar melhorar muito.

E, para completar o xeque-mate a favor do que diz, D. Nena apresenta dois cartões-postais (p. 21) nos quais o Chico Xavier, de próprio punho, confirma ter vivido na Espanha com o casal, ao dizer “lembrança de nossa querida España”. Vejamo-los:


Uma dessas imagens, a da espanhola, nos fez lembrar que, na obra citada do Carlos Alberto Braga Costa, havia alguma coisa nesse sentido. E não deu outra; encontramos a referência numa fala de Arnaldo Rocha, que, por oportuno, transcrevemos:

Meses se passaram e a Senhora Aida Fassanello voltou à casa de Chico, levando um presente para Alma Querida. Tratava-se de um quadro pintado a óleo, muito bonito, que retratava uma cena, no mínimo curiosa, de três espanholas com roupas do século XIX. Sentada sobre uma mesa, a primeira tocava uma guitarra, enquanto as outras duas dançavam com suas castanholas.

Chico, muito emocionado com o presente, confidenciou-me: “Ela conseguiu registrar, na tela do quadro, o que captou da história que lhe descrevi, sobre nossa amizade anteriormente vivida. Éramos três grandes amigas (Chico revela que a outra personagem se chamava Maria Yolanda – referindo-se a Dona Neném), e vivemos na cidade de Barcelona no século XIX, meu nome era Dolores del Sarte Hurquesa Hernandes”. (COSTA, 2006, p. 236, itálico do original, grifo nosso). 

D. Nena: Será possível que Chico tenha mudado tanto? – Voltando à obra de D. Nena Galves; mais à frente ela informa:

Chico dedicou atenção especial para nós, como se fôssemos velhos amigos. Tempos depois, ele confidenciou-nos que Emmanuel havia prometido que ele reencontraria familiares de outras vidas, já reencarnados em São Paulo. Naquela época, Chico mudara-se recentemente para Uberaba e sentia falta de seus familiares. Consolava-se com as palavras de Emmanuel e esperava a nova família do passado que chegaria em breve.

Ele nos reconheceu prontamente. Nós sentimos profunda atração por ele, mas tivemos alguma dificuldade em relembrar o passado que pouco a pouco foi surgindo. Voltamos assiduamente a Uberaba para visitá-lo. Nesses encontros fraternos foram acentuando-se as lembranças do passado e a alegria no trabalho doutrinário espírita. [...]. (GALVES, 2011, p. 32, grifo nosso).

Um desabafo de Nena Galves que, embora não relacionado diretamente com o assunto, importa destacar, pois pode ser que nas “entrelinhas” tenha algo, sim:

Depois de sua desencarnação, apareceram diversas pessoas que se autodenominaram amigos antigos do médium. Entretanto, essas pessoas nunca compartilharam com ele das lutas e sacrifícios que enfrentou em favor do movimento espírita.

Muitas comunicações mediúnicas atribuídas ao médium desencarnado não correspondem às confidências que conhecemos. Ao compará-las, nos perguntamos: será possível que Chico tenha mudado tanto? (GALVES, 2011, p. 139-140, grifo nosso). 

Chico referia-se a Kardec chamando-o de “mentor inesquecível” – Mais para o final da obra, Nena Galves informa que todo ano Chico Xavier ia comemorar com eles a data de nascimento de Kardec. Coloca trechos da entrevista de Chico ao amigo Luiz Rodovil Rossi, e vale a pena transcrever alguns deles:

ROSSI: Querido Chico, é com enorme prazer e honra que o recebemos mais uma vez aqui no Centro Espírita União. Nós gostaríamos de ouvir um pouquinho a respeito da semana de Kardec e da feira do Centro União, às quais você comparece com tanto carinho todos os anos.

CHICO: Estamos aqui diante da bondade de todos e especialmente do nosso amigo Dr. Luiz Rossi, que lembra a nossa palavra simples e desataviada para exaltarmos a memória de Allan Kardec, o mentor inesquecível a quem devemos tanto.

Nosso amigo fala em prazer e honra, mas esses dois substantivos ajudam a mim, de vez que essa honra e esse prazer não me pertencem, pois, na verdade, não mereço estar dentro de nossa comunidade com qualquer destaque especial.

Todos nós conhecemos a altura espiritual de Allan Kardec e reverenciamos nele aquele professor inolvidável, cujos ensinamentos atravessam grande parte do século passado. Estamos em pleno século XX e seus ensinamentos nos encontram para nos felicitar com o conhecimento de nossa própria natureza e com o imperativo do nosso aprimoramento espiritual...

Por muito que sejam expressivas as palavras que eu pudesse dizer a respeito de Allan Kardec, elas seriam demasiadamente pálidas para criar em nosso espírito o respeito, a admiração, o carinho e o amor com que não apenas anualmente, mas todos os dias, nos lembramos desse homem admirável, cuja herança para nós, da comunidade humana, representa um patrimônio de paz e luz.

Peçamos a Nosso Senhor Jesus Cristo que engrandeça Allan Kardec onde estiver. Que ele possa receber as vibrações de nossos melhores sentimentos e que o Centro Espírita União continue nessa obra maravilhosa de redenção humana, a abraçar os necessitados, difundir a luz e honrar Allan Kardec por meio dos seus dignos diretores e dos dignos companheiros que me escutam, em memória daquele que não podemos esquecer.

Allan Kardec vive. Esta é uma afirmativa que eu quisera pronunciar com uma voz que no momento não tenho. Mas com todo o coração, repito: Deus engrandeça o nosso codificador, o codificador da nossa Doutrina! Que ele se sinta cada vez mais feliz em observar que as suas ideias e suas lições permanecem acima do tempo, auxiliando-nos a viver. É o que eu pobremente posso dizer na saudação que Allan Kardec merece de nós todos. Sei que cada um de nós, na intimidade doméstica, torná-lo-á lembrado e cada vez mais honrado, não só pelos espíritas do Brasil, mas do mundo inteiro. (GALVES, 2011, p. 213-216). 

João Evangelista participou da obra da codificação – As considerações que Chico Xavier fez a Kardec soariam estranhas caso ele, realmente, soubesse ser o Codificador reencarnado, pois pareceria pura bajulação de si mesmo, o que, convenhamos, não combina com o que conhecemos de sua personalidade.

Tomando como base o que já vimos anteriormente (veja as indicações abaixo), para nós, fica cada vez mais claro que somente por um grande equívoco ainda se pode atribuir a Chico a condição de ser Kardec reencarnado. Aliás, alguns dos que assim pensam afirmam também que Kardec teria sido João Evangelista, apesar do fato de ter o Codificador  evocado João Evangelista, conforme se pode comprovar na Revista Espírita 1861, no relato da ata da reunião na Sociedade Espírita de Paris do dia 14 de dezembro de 1860. Veja este trecho:

“3º Fato pessoal ao Sr. Allan Kardec e que pode ser considerado uma prova de identidade do Espírito de um personagem antigo. A Senhorita J... teve várias comunicações de João Evangelista, e cada vez com uma escrita muito caracterizada e muito diferente da sua escrita normal. A seu pedido, o Sr. Allan Kardec, tendo evocado esse Espírito, pela senhora Costel, achou que a escrita tinha exatamente o mesmo caráter da senhorita J..., embora o novo médium dela não tivesse nenhum conhecimento; além do mais o movimento da mão tinha uma doçura desacostumada, o que era ainda uma semelhança; enfim, as respostas concordavam em todos os pontos com aquelas feitas pela senhorita J... e nada na linguagem que não estivesse à altura do Espírito evocado.” (KARDEC, 1993f, p. 5, grifo nosso).

Além disso, João Evangelista é um dos que também assina a mensagem dos Espíritos constante em “Prolegômenos”, em O Livro dos Espíritos (KARDEC, 2007a, p 63). Esse fato nos coloca diante de algo inusitado, pois Kardec teria se desdobrado em mais dois outros personagens, uma vez que além de João Evangelista a mensagem contém a assinatura de Platão, que é outra pessoa tida como uma das reencarnações anteriores de Allan Kardec. 

Platão também participou da codificação do Espiritismo – Outro que é tido como uma das supostas reencarnações anteriores de Kardec é o filósofo Platão, porém, encontramos na Revista Espírita registros de mensagens assinadas por Platão: na sessão realizada em 18 de novembro de 1859 (KARDEC, 1993e, p. 358), na de 20 de janeiro de 1860 (KARDEC, 2000a, p. 39), na sessão 03 de fevereiro de 1860, assina juntamente com Moisés e Julien (KARDEC, 2000a, p. 68). Em “Prolegômenos”, em O Livro dos Espíritos, encontramos também a sua assinatura, bem como a de João Evangelista (KARDEC, 2007a, p. 63). E, finalmente, entre os Espíritos que respondem à pergunta 1009, consta uma assinada por Platão (KARDEC, 2007a, p. 524).

O interessante desses dois personagens – João Evangelista e Platão – é que, sendo cada um deles uma das supostas reencarnações de Kardec, manifestam-se nas reuniões com o Codificador presente, ora com um nome, ora com outro, fato que não nos deixa dúvida alguma de serem indivíduos diferentes.

Ademais, como já o dissemos anteriormente, em nosso texto “Kardec reencarnou-se como Chico?”, cabe aos defensores dessa tese provar que todas as vezes que o Espírito Allan Kardec se manifestou, quando Chico Xavier ainda era vivo, que ele estava dormindo ou numa situação que seu espírito pudesse se emancipar do corpo para tomar a personalidade de Allan Kardec e se manifestar.

Certamente não temos a pretensão de demover os aferrados a essas ideias, coisa que só o tempo fará. 

 

(1)  Texto publicado em duas partes, links: http://www.oconsolador.com.br/ano4/204/especial.html e http://www.oconsolador.com.br/ano5/205/especial.html

(2) Quadro comparativo disponível em: http://www.paulosnetos.net/index.php/viewdownload/5-artigos-e-estudos/476-comparacao-entre-as-tres-publicacoes-das-supostas-reencarnacoes-de-chico-xavier

 

Referências bibliográficas:

COSTA, C. A. B. Chico, diálogo e recordações... Belo Horizonte: UEM, 2006.

GALVES, N. Até sempre, Chico Xavier. São Paulo: CEU, 2011.

KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2007a.

KARDEC, A. Revista Espírita 1859. Araras, SP: IDE, 1993e.

KARDEC, A. Revista Espírita 1860. Araras, SP: IDE, 2000a.

KARDEC, A. Revista Espírita 1861. Araras, SP: IDE, 1993f.

NOBRE, M. R. S. Lições de Sabedoria: Chico Xavier nos 23 anos da Folha Espírita. São Paulo, 1997.

ANJOS, L. Chico Xavier foi Ruth-Céline Japhet in  - http://www.oconsolador.com.br/ano4/204/especial.html, de 10 de abril de 2013, e http://www.oconsolador.com.br/ano5/205/especial.html, de 17 de abril de 2013.

 


 
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