Marcelo
conversou
conosco:
O que o levou a
pesquisar o
método utilizado
por Allan Kardec
quando da
Codificação da
Doutrina
Espírita?
Em primeiro
lugar, porque
Allan Kardec
pode ser
considerado um
dos pioneiros na
investigação dos
fenômenos
mediúnicos,
sendo um
influente
intelectual que
indiretamente
proveu
psicólogos e
psicopatologistas
com novas
abordagens da
mente humana,
tornando o
médium passível
a investigações
por parte da
Psicologia
Experimental. Em
segundo lugar,
porque apesar de
Allan Kardec ser
o escritor
francês mais
lido no Brasil,
de o Espiritismo
ser o terceiro
maior grupo
religioso do
país e de
existirem
diversos
trabalhos
acadêmicos sobre
o tema, o método
de Allan Kardec
para elaboração
do Espiritismo
ainda é pouco
conhecido tanto
no meio espírita
quanto no meio
acadêmico.
É possível
estabelecer um
parâmetro
diferenciador
entre os estudos
empreendidos por
Allan Kardec e
os textos
mediúnicos que a
ele chegavam?
Sim. Podemos
entender os
textos
mediúnicos como
a matéria-prima
de seu trabalho.
Mais do que um
sistematizador,
ou codificador
do Espiritismo,
Kardec se
destacava como
pesquisador
ativo na busca e
análise de
informações que
compuseram os
princípios do
Espiritismo. É o
que pudemos
observar nas
primeiras doze
edições da
Revista
Espírita, onde é
possível
perceber seu
método. Os
médiuns eram
tidos como um
meio de acesso
direto a dados
empíricos a
respeito do
mundo
espiritual, e
para se
assegurar da
credibilidade
dos dados
coletados, ele
procurou ampliar
sua base de
informações
utilizando
diversos
médiuns, de
diferentes
contextos
geográficos,
muitas vezes
desconhecidos
uns dos outros.
No decorrer de
sua pesquisa,
Kardec contou
com um número
cada vez maior
de
correspondentes
(no início
contava com
cerca de treze
médiuns,
enquanto em 1864
relatava contar
com
correspondentes
de cerca de mil
centros
espíritas), o
que foi de
grande
importância na
obtenção do
grande número de
relatos
mediúnicos
diversificados
com os quais ele
criou,
desenvolveu e
reformulou os
seus princípios
acerca do mundo
espiritual.
Kardec
enfatizava a
descrição e a
interpretação do
conteúdo das
mensagens
obtidas durante
o transe
mediúnico,
comparando
semelhanças e
diferenças entre
elas em busca de
informações
úteis que
pudessem
integrar sua
teoria. Ele dava
uma grande
ênfase na
análise do
conteúdo das
informações,
sendo menos
relevante a
autoria das
mensagens.
Kardec se
utilizava de
casos históricos
acerca dos
fenômenos
mediúnicos e
também de
pesquisas de
campo, visitando
médiuns e locais
onde as
manifestações
espirituais se
davam. Através
da observação
dos fenômenos,
Kardec discutiu
as principais
teorias
propostas à
época para
explicar
experiências
espirituais e
psíquicas,
teorias que
ainda são
debatidas pela
psicologia e
pela medicina na
atualidade.
Como os
espíritas
acadêmicos podem
conciliar sua
opção
doutrinária com
os métodos
muitas vezes
céticos que
encontramos nas
Universidades?
Acho importante
que os
acadêmicos,
céticos e
espiritualistas
saibam
diferenciar
ciência de seus
pressupostos
metafísicos. A
concepção
espiritualista é
um pressuposto
metafísico, bem
como o
materialismo.
Cabe aos
acadêmicos
pensar a ciência
como um método
que sugere a
investigação
racional com
base empírica,
livre de dogmas
e aberta a todo
tipo de
investigação
ancorada nesses
elementos. É
certo que há
acadêmicos que
misturam seus
pressupostos
metafísicos com
a ciência, mas
se o pesquisador
se propõe a um
estudo embasado
no rigor
científico, ele
terá espaço na
academia.
Em sua opinião a
Codificação
necessita
revisões
periódicas e,
nesse caso, como
empreendê-las?
Sim. Acredito
que todas as
obras de grande
alcance
científico,
filosófico e
moral necessitam
de revisões
periódicas para
que elas possam
oferecer
respostas às
demandas de
nossa sociedade,
que está em
constante
transformação.
Para uma revisão
do Espiritismo,
acredito ser
necessário
analisar toda a
obra de Kardec,
principalmente a
Revista
Espírita. Os
princípios que
compõem os
escritos de
Kardec evoluem
com o tempo e
estão vinculados
ao momento
histórico do
período. Dessa
forma, os
escritos de
Kardec devem ser
entendidos em
sua unidade.
A Revista
Espírita ainda é
bastante
desconhecida do
público que
frequenta os
Centros
Espíritas. Por
que isso
acontece e quais
implementos
deveriam ser
dados para que
ela seja mais
estudada?
Acredito que o
motivo para o
pouco
conhecimento da
Revista Espírita
pelo público que
frequenta os
Centros
Espíritas seja o
fato de a
tradução dos
volumes
realizados pela
FEB seja de
2004. Penso que
a criação de
grupos de
estudos
sistematizados
voltados à
Revista Espírita
poderia
contribuir nesse
ensejo.
(1)
Você esteve na
França coletando
dados e
informações para
elaborar seu
trabalho de
pesquisa. O que
mais chamou sua
atenção quando
lá esteve em se
tratando de
busca de dados
espíritas?
É interessante
ressaltar a
carência de
dados sobre
Kardec e o
Espiritismo.
Mesmo entre os
historiadores
franceses
especializados
no século XIX,
não há muitas
informações.
Felizmente, pude
contar com a
ajuda de pessoas
como Charles
Kempf, que
prestou grande
auxílio e
orientação nessa
busca.
Qual a diferença
entre os estudos
científicos
tradicionais e
os estudos
científicos
empreendidos por
Allan Kardec
quando da
Codificação do
Espiritismo?
Penso que as
ciências
positivas do
século XIX
(física e
química,
principalmente)
ressaltam a
importância do
experimento em
seus estudos.
Segundo Kardec,
o Espiritismo
não era da
alçada da
ciência por
analisar um
objeto
(Espíritos) que
não estava
sujeito a
estudos
experimentais
por se tratarem
de seres
inteligentes não
sujeitos aos
caprichos do
homem, e, por
conseguinte, das
experiências de
laboratório.
Kardec
enfatizava que o
Espiritismo era
uma ciência de
observação que
requer condições
especiais para
sua análise.
Kardec lançava
mão de diversos
métodos para
investigação dos
fenômenos
mediúnicos como
a análise do
conteúdo das
mensagens
psicografadas, a
comparação com
outras mensagens
de regiões
distintas
atribuídas ao
mesmo Espírito,
pesquisas de
campo para
observação
direta dos
fenômenos,
investigação de
fenômenos
semelhantes
ocorridos na
história,
análise de
interpretações
divergentes
sobre as
manifestações
etc. Atualmente,
esses aspectos
são integrantes
da metodologia
de diversas
disciplinas
acadêmicas
consideradas
ciências, como a
História, a
Sociologia e a
Psicologia.
Fora do meio
espírita existem
pesquisadores
sérios em
assuntos tanto
dos fenômenos
mediúnicos
quando nos
estudos sobre
saúde e
espiritualidade.
Onde o ponto de
convergência
entre eles e o
Espiritismo?
Pensando no
Espiritismo
desenvolvido por
Kardec, o ponto
de convergência
entre eles está
no objetivo de
sua
investigação, ou
seja, na busca
de uma
explicação para
os fenômenos
mediúnicos e
suas possíveis
implicações.
Qual o seu
destaque para o
método de
pesquisa e
trabalho de
Allan Kardec?
Destaca-se a
forma como
Kardec aplica o
seu método na
formulação dos
princípios do
Espiritismo. É
possível
acompanhar por
meio da Revista
Espírita como
sua investigação
sistemática das
mensagens
escritas por
médiuns
distintos,
atribuídas a
Espíritos de
diferentes
ordens sociais e
estágios morais
do estado da
alma após a
morte, conduziu
para o
desenvolvimento
de sua teoria
das sensações
dos Espíritos.
Por outro lado,
também é
possível
acompanhar como
Kardec rejeita,
em um primeiro
momento, a
existência da
possessão
espiritual, para
depois de uma
extensa
investigação
despertada pelo
episódio dos
possessos de
Morzine
retificar sua
opinião e
aceitar a
possibilidade de
um Espírito se
apoderar do
corpo de outro.
Você defendeu
sua tese
dissertação de
mestrado na
Universidade
Federal de Juiz
de Fora com foco
para o método
utilizado por
Allan Kardec
para a
investigação dos
fenômenos
mediúnicos. A
que conclusão
chegou com tão
relevante
estudo?
A primeira
constatação
desse estudo é a
de que Kardec
merece ser
lembrado como um
intelectual
francês que
desenvolveu
pesquisas
pioneiras sobre
a mediunidade no
século XIX.
Utilizando-se de
sua vasta
erudição, como
professor,
escritor e
membro de
diversas
sociedades
científicas,
Kardec realizou
uma ampla
abordagem da
causa dos
fenômenos
psíquicos
surgidos a
partir das mesas
girantes. Ele
propôs uma
abordagem
empírica e
racional para o
assunto, até
então
considerado
metafísico, na
qual foram
produzidas
várias
discussões
pertinentes
sobre aspectos
epistemológicos
e metodológicos
de exploração
dos fenômenos
mediúnicos.
Allan Kardec não
parece ter sido
apenas um
"codificador"
das comunicações
mediúnicas, um
compilador de
documentos
oriundos de
diversas fontes
em uma só obra.
Em sua
metodologia, é
marcante a
presença da
observação
empírica. Um
aspecto central
do trabalho de
Kardec foi a
busca de
“naturalização”
da dimensão
espiritual, que
era tida como
parte da
natureza, regida
por leis
naturais
passíveis de
serem
investigadas
cientificamente.
As comunicações
mediúnicas eram
interpretadas
como evidências
empíricas
analisadas por
meio de métodos
qualitativos, em
que eram
avaliadas a sua
utilidade e a
replicabilidade
das informações
a partir do que
chamou de
controle
universal das
informações dos
Espíritos. Com
este método,
Kardec elaborou
os princípios
fundamentais do
Espiritismo.
Percebe-se
também o
processo de
construção
gradual e de
reformulação das
teorias
explicativas com
base nas
observações
empíricas das
experiências
mediúnicas. Ao
reconstruirmos
os elementos
constituintes do
ensaio teórico
das sensações
dos Espíritos e
da possessão,
percebemos como
Kardec utilizava
as informações
obtidas nos
fenômenos
mediúnicos para
o
desenvolvimento
e teste de suas
hipóteses. Sem
tomar esses
depoimentos como
verdades
absolutas, ele
abria a
possibilidade de
revisão dos seus
conceitos,
quando novas
evidências
contrariassem
hipóteses já
estabelecidas. O
caso da
possessão é um
dos mais
ilustrativos
exemplos.
Como foi
demonstrado,
durante os
últimos 15 anos
de sua vida, em
que ele se
dedicou ao
estudo da
mediunidade,
Kardec
desenvolveu uma
investigação
sistemática dos
fenômenos que se
mostra mais
sofisticada do
que é
perceptível à
primeira vista
em seus livros.
Parte
substancial dos
seus livros são
apresentações
didáticas da
“filosofia
espírita”, das
conclusões
teóricas de seus
estudos, bem
como seus
aspectos
racionais.
Tais
investigações
são relevantes
porque preenchem
uma importante
lacuna na
história da
psiquiatria, da
psicologia, da
parapsicologia e
das religiões.
Existe um campo
vasto a ser
explorado. Um
melhor
entendimento
pode oferecer
novas
perspectivas
para o
conhecimento
sobre as
relações entre
ciência e
espiritualidade
no século XIX,
bem como o
resgate de seus
aspectos
metodológicos
pode contribuir
para novos
estudos no tema
por
pesquisadores
atuais.
Fale-nos um
pouco sobre o
Programa de
Pós-Graduação em
Saúde Brasileira
da Universidade
Federal de Juiz
de Fora.
Minha pesquisa
foi desenvolvida
em um dos
núcleos de
pesquisa do
Programa de
Pós-Graduação em
Saúde Brasileira
da Universidade
Federal de Juiz
de Fora. O
Núcleo de
Pesquisas em
Espiritualidade
e Saúde (NUPES)
visa gerar
estudos
acadêmicos nessa
área através de
um grupo
interdisciplinar
que envolve
psiquiatras,
psicólogos,
filósofos,
sociólogos e
historiadores,
que têm por
objeto aspectos
das relações
entre saúde e
espiritualidade,
entendida como
algo referente
ao domínio do
espírito, à
dimensão não
material ou
extrafísica da
existência. Este
grupo já
produziu
diversos
trabalhos de
alcance
internacional
que podem ser
baixados através
do site
www.ufjf.br/nupes.
Qual deve ser o
papel do
historiador
espírita?
Prefiro utilizar
o termo
historiador do
Espiritismo,
pois um
historiador
espírita pode
não querer
estudar sobre o
Espiritismo e um
historiador do
Espiritismo pode
não ser
espírita, nem
precisa ser
simpatizante do
Espiritismo.
Contudo, aquele
que deseja
estudar o
Espiritismo deve
ter o
compromisso com
o rigor
científico que
uma abordagem
histórica deve
ter em qualquer
trabalho. Ainda
que seja
espírita, um
historiador não
deve deixar de
abordar um ponto
que possa ser
interpretado
como nocivo ao
Espiritismo. O
historiador,
sendo ele
espírita ou não,
deve ter
compromisso com
a verdade que os
fatos revelam.
Ciência,
Filosofia,
Religião. Este
tripé de
sustentação da
Doutrina
Espírita às
vezes é
questionado. Uns
querem mais a
ciência, outros
a religião. O
tema é
histórico, uma
vez que a
discussão vem
dos primórdios
do Espiritismo
no Brasil. Qual
a sua posição
neste assunto?
O Espiritismo é
uma religião bem
estabelecida no
Brasil, com
milhões de
adeptos que a
entendem dessa
forma. Acredito
que a questão
decorre do fato
de que os
aspectos
científicos são,
atualmente,
pouco estudados.
Muito obrigado
e, por favor,
deixe-nos suas
palavras finais.
Agradeço pelo
espaço e fica o
convite para que
outras pessoas
busquem estudar
o Espiritismo
com mais
profundidade.
Existe um vasto
campo de
pesquisa nessa
temática que
pode ser
explorado
academicamente
em diversas
áreas do
conhecimento.(2)
Notas:
(1)
É importante
lembrar que faz
50 anos que a
EDICEL publicou
a coleção da
Revue Spirite
traduzida para o
idioma português
por Júlio Abreu
Filho. Com base
nessa tradução,
publicamos nesta
revista nas
edições 37 a 208
o estudo
metódico e
sequencial dos
12 volumes
publicados no
período de 1858
a 1869. Clicando
em
http://www.oconsolador.com.br/37/estudandoasobrasdekardec.html
o leitor terá
acesso ao texto
que deu início a
esse estudo.
(Nota da
Redação)
(2)
Para contato com
Marcelo Gulão
Pimentel, eis
seu endereço
eletrônico:
mgulao@yahoo.com.br
|