Situe Humberto
de Campos para o
leitor.
Em 25 de outubro
de 1886 nasceu
em Miritiba (MA)
Humberto de
Campos Vera,
conhecido como
Humberto de
Campos,
inclusive pela
psicografia de
Chico Xavier, na
qual também se
utilizou do
pseudônimo Irmão
X. De família
humilde, pouca
instrução formal
recebeu, e aos
seis anos já era
órfão de pai;
cedo se empregou
em trabalhos
rudes do
ambiente
interiorano.
Autodidata,
perquiridor,
encontramos um
espírito
resistente e
perseverante. Um
pouco mais
crescido,
trabalhando como
tipógrafo, fora
do expediente
corria à
biblioteca
pública da
cidade, onde se
abastecia em
meio aos
livros. De uma
vida obscura e
sofrida, passou
por inúmeros
postos de
trabalho
subalterno até
obter
reconhecimento
enquanto
literato na
Academia
Brasileira de
Letras. Jovem,
trabalhando como
revisor de um
jornal em
decadência,
surge-lhe a
oportunidade do
início de uma
carreira
jornalística. O
embrião que
jazia adormecido
e cultivado com
a leitura pôde
agora germinar.
Desencarna por
enfermidade no
dia 5 de
dezembro de
1934; nos
últimos anos,
enquanto esteve
doente, premido
por dificuldades
financeiras,
trabalhou
incansavelmente
até as vésperas
de seu
desenlace,
apesar das dores
e do mal que
sofria,
procurando
manter o pão no
lar. Como nos
dizeres de
Almerindo sobre
Humberto de
Campos, “nos
subterrâneos do
ser, existe a
riqueza
espiritual de
uma alma, que
permanece inerte
e fria, antes de
trazida à
plenitude de sua
expansão, na
entrosagem da
vida,
tornando-se
capaz de
derramar
claridades e
energias no
ambiente social,
de que é
partícula
integrante”,
assim é Humberto
de Campos na
psicografia de
Francisco
Cândido Xavier:
um farol a nos
guiar para
seguirmos luz
acima.
Quantos livros
ele produziu
quando encarnado
e depois pela
psicografia
pelo médium
Chico Xavier?
Humberto de
Campos quando
encarnado
desfrutou de
grande
popularidade,
chegou a
publicar
inúmeros livros
de Poesia,
Literatura
Infantil,
Crítica
Literária,
Memorialística,
organizou
Antologias. Sua
obra é mais
vasta em Contos
do Conselheiro
XX e em
Crônicas. Mais
de 40 obras
levam sua
autoria.
Observamos que
sua obra, quando
encarnado,
obedece a duas
fases distintas,
marcadas pela
enfermidade do
escritor. Em
seus últimos
cinco anos de
vida, descobre
que padece de
hipertrofia da
hipófise, do que
lhe advêm
imensas dores. A
cegueira
ameaça-lhe a
visão, grandes
dificuldades
financeiras
batem-lhe à
porta. Nesse
período começa
uma nova fase de
escrita, em que
expõe ao público
suas próprias
dores,
tornando-se
personagem de
seus escritos,
aumentando sua
popularidade
porque mais se
aproximava dos
leitores.
Assinala o
crítico Herman
Lima: “Humberto
de Campos enche
os seus escritos
de um tão alto
espírito de
humanidade, que
atinge, às
vezes, a pureza
das grandes
vozes cristãs.
Quanto mais
sofre, mais a
sua palavra se
depura. E mais
resplandece”.
Período esse
certamente
preparatório
para o trabalho
que seria feito
junto a Emmanuel
e Chico Xavier
mais tarde, como
o próprio
Humberto de
Campos intui:
“Ameaçado de
cegueira, já com
uma das vistas
perdida e,
assim, de tombar
inútil
precisamente
quando sentia o
espírito melhor
provido para a
realização de
uma obra
literária que me
sobrevivesse, eu
sou como um
operário que
passou anos
inteiros a
carregar o
material para
construção de um
abrigo para os
seus dias de
velhice, e a
quem cortam os
braços no
momento em que
vai lançar o
primeiro tijolo.
A fatalidade
tapa-me os olhos
no instante,
precisamente, em
que ia beber com
eles,
comovidamente, o
vinho de ouro do
sol...” E assim
tocado
grandemente nas
fibras do seu
ser desencarna
Humberto de
Campos em 5 de
dezembro de
1934. Já em
março de
1935 Chico
Xavier em carta
endereçada a
Manuel Quintão,
responsável pela
sua produção
mediúnica na FEB,
relata um sonho
que tivera em
fevereiro do
mesmo ano, em
que foi
apresentado a
Humberto de
Campos no plano
espiritual, e
logo temos a
página “De um
casarão de outro
mundo” datada de
27 de março de
1935, pouco mais
de três meses
após a
desencarnação do
escritor. Os
textos a
princípio são
divulgados na
revista
Reformador a
partir de abril
de 1935, e deram
origem aos
livros
Crônicas de
Além-Túmulo,
obra editada em
1937, seguida
por Brasil,
Coração do
Mundo, Pátria do
Evangelho,
Novas
Mensagens,
Boa Nova
e Reportagens
de Além-Túmulo,
todos atribuídos
a Humberto de
Campos. A partir
do caso Humberto
de Campos, ação
movida por seus
familiares na
questão dos
direitos
autorais, as
obras passaram a
ser assinadas
pelo pseudônimo
Irmão X. São
elas Lázaro
Redivivo,
Luz Acima,
Pontos e
Contos,
Contos e
Apólogos,
Contos desta e
doutra Vida,
Cartas e
Crônicas e
Estante da
Vida.
Encontramos
também páginas
suas em obras de
Espíritos
diversos, e após
um período
retornou com
Relatos da Vida,
de 1988, e
Histórias e
Anotações,
de 1989, todas
elas
psicografadas
por Francisco
Cândido Xavier.
O que mais lhe
chama atenção
nas obras
ditadas por esse
Espírito? Por
quê?
“Meu problema
atual não é o de
escrever para
agradar, mas o
de escrever com
proveito”,
escreveu
Humberto de
Campos no
prefácio do
livro Boa
Nova.
Escritor
notabilizado
como cronista
enquanto
encarnado,
encontramos em
suas biografias
relatos de que
recebia cartas
do público que
se sentia
consolado com
seus escritos.
Pediam a ele
conselhos,
orientações para
as dores da
jornada, e
muitas das
cartas que
recebia se
transformavam em
crônicas. A
crônica é o
gênero literário
que atende aos
fatos do dia a
dia, que reflete
o sentimento do
povo, que
interpreta o
cotidiano, com
vistas a agradar
ao público,
preso a um
determinado
espaço e tempo.
É um relato
curto e
histórico que se
esvai com o
decorrer do
tempo de sua
publicação. Não
tem a perenidade
típica dos
outros gêneros
literários. Na
obra de Humberto
de Campos
desencarnado já
não lhe
atribuímos
semelhantes
características.
Certamente se
trata de
crônicas,
relatos, porém
de vida eterna.
Em continuidade
ao trabalho de
Allan Kardec,
que, na
introdução de
O Evangelho
segundo o
Espiritismo,
esclarece o
objetivo de sua
obra, voltada
especificamente
para os ensinos
morais de
Cristo, por
constituírem uma
parte
inatacável,
“bandeira sob a
qual todos podem
abrigar-se”, o
nosso autor
espiritual nos
traz páginas de
luz
imperecíveis.
Ele ultrapassa o
cronista típico,
do relato comum
segundo uma
visão pessoal do
dia a dia, para
uma experiência
transcendente enquanto
desencarnado,
ofertando-nos
reflexões para
que edifiquemos
nosso roteiro
conforme a
proposta de
Jesus: “Eu sou o
caminho, a
verdade e a
vida; ninguém
vem ao Pai senão
por mim”. A
obra de Humberto
de Campos ou
Irmão X na
mediunidade
sublime de Chico
Xavier
certamente
corresponde aos
objetivos da
obra espírita,
conforme citado
por Kardec.
Quais obras são
as mais
marcantes em seu
parecer? Por
quê?
Em palestra na
Casa da Prece de
Chico Xavier,
Haroldo Dutra
Dias comentando
especialmente as
obras de
Humberto de
Campos deteve-se
em observação na
obra Boa Nova
que, segundo
suas palavras, é
Jesus que está
“de volta”, em
uma tarefa do
plano espiritual
para resgate do
Evangelho. Os
contos
recolhidos no
plano espiritual
se baseiam em
experiências de
conversão
vivenciadas por
personalidades
por nós
conhecidas em
seu encontro com
Cristo. No
trabalho
empreendido pelo
seu apostolado,
Maria de Magdala,
Joana de Cusa e
Zaqueu, para
citarmos alguns,
são em seus
contos
testemunhos do
caminho
espiritual a
seguir por toda
a humanidade
através da
exemplificação
na humildade e
no trabalho.
Compreendemos
que a nossa
conversão, como
nos diz Emmanuel
em uma página de
mesmo nome,
exige de todos
nós sacrifícios
pessoais, lutas
com nós mesmos,
para que, só
assim, possamos
dar testemunho a
Cristo e a
nossos irmãos. E
entendemos que a
conversão está
além de nos
“maravilharmos
ante as
revelações
espirituais”;
exige trabalho e
determinação. A
história de
Joana de Cusa
ocupa o capítulo
15 do livro
Boa Nova
(como é hábito o
leitor abrir o
livro no meio,
quando folheia
uma obra pela
primeira vez,
então costumamos
ali encontrar a
parte mais
importante). É
uma história que
encerra grande
ensinamento:
Joana de Cusa é
por Jesus
orientada a
compreender o
marido preso a
ideias de poder
como um irmão
que necessita de
compreensão em
sua jornada, e,
diante da
fogueira,
convidada a
abjurar Jesus
para livrar a
si e ao filho do
testemunho, ela
não só confirma
sua fé na vida
eterna, como no
amor “ao próximo
como a si mesmo”
ao tratar
compassivamente
aquele que lhe
atearia fogo.
Logo em seguida,
no capítulo 16,
temos a história
de Tomé,
discípulo
comumente preso
a demonstrações
materiais, que
pede a Jesus
envie sinais de
seus poderes
divinos para
convencimento de
homens ilustres.
Jesus
carinhosamente
responde que
“não é
necessário que
vejam a mim, mas
sim a verdade
que trago de
Nosso Pai”. E
Jesus então
aguarda
pacientemente
essa conversão
de nosso coração
à nossa origem
divina. Como na
página de
Emmanuel “Caindo
em si”, ainda
estamos jungidos
a interpretações
puramente
verbalistas da
fé e a obra
Boa Nova é o
trabalho de um
grande
Espírito conhecido
como Humberto de
Campos ou Irmão
X, que, caindo
em si, trabalha
incessante e
intensamente a
fim de afeiçoar
seus sentimentos
a exemplo do
Cristo
trazendo-nos
páginas
luminosas.
Destaque um dos
contos que mais
lhe chamou
atenção.
São encantadores
os contos de
Humberto de
Campos em que
acompanhamos a
trajetória de
Simão Pedro,
iniciada na obra
Boa Nova
no conto “a
Negação de
Pedro”. Jesus,
ao se preparar
para lavar os
pés dos seus
discípulos, vê
que Pedro,
orgulhoso, não
concorda com a
submissão do
Mestre e a lição
que buscava dar.
Amorosamente,
Jesus esclarece
a Pedro que
ainda para o
discípulo é
necessário o
auxílio do
mestre e que
nunca deve
querer ser
melhor que seus
irmãos. De
espírito
inquieto e
inexperiente,
Pedro não
compreendia as
exortações de
Cristo. “Ainda
não te encontras
preparado para
seguir-me. O
testemunho é de
sacrifício e de
extrema
abnegação e
somente mais
tarde entrarás
na posse da
fortaleza
indispensável”,
diz-lhe o Mestre
que, diante da
indignação de
Pedro ao
dizer-lhe que o
apóstolo o
negaria por três
vezes, asseverou
com doçura:
“Não, Pedro [..]
não te suponho
ingrato ou
indiferente aos
meus ensinos.
Mas vais
aprender, ainda
hoje, que o
homem do mundo é
mais frágil do
que perverso”.
Em inúmeros
contos
percebemos essa
luta desse
espírito frágil
para empreender
esse caminho de
sacrifício e
abnegação, como
no belíssimo
conto “Nas
hesitações de
Pedro” do livro
Luz Acima.
Bateu à porta da
Casa do Caminho,
que Simão Pedro
dirigia, uma
infeliz pecadora
que fora
lapidada. As
senhoras que ali
trabalhavam em
auxílio se
retraíram ante
aquela presença
desventurada, e
o apóstolo,
atingido no
íntimo pelo
preconceito,
sentindo ânsias
de pedir para
que ela se
fosse, recorre à
inspiração do
Mestre. Diante
das resoluções
propostas por
Simão de
julgá-la,
mostrar-lhe a
extensão de seus
erros e seus
padecimentos, o
Mestre
esclarece:
“Pedro, para
ferir e
amaldiçoar,
sentenciar e
punir, a cidade
e o campo estão
cheios de maus
servidores.
Nosso ministério
ultrapassa a
própria justiça.
O Evangelho,
para ser
realizado,
reclama o
concurso de quem
ampara e educa,
edifica e salva,
consola e
renuncia, ama e
perdoa...” Pedro
então abre a
casa, acolhedor,
aceitando como
irmã a mulher
sofredora. As
hesitações de
Pedro são nossas
próprias
hesitações em
nossa jornada
diante das
resoluções que
devemos tomar
para construir
nossa fortaleza
espiritual. No
livro
Antologia
Mediúnica de
Natal
encontramos o
conto “o Natal
do Apóstolo” em
que Simão Pedro,
já aos oitenta
anos, é
conduzido ao
madeiro para
sofrer na cruz o
suplício final.
Também
acompanhado pela
turba
inconsciente, um
algoz agrava
seus
padecimentos
atirando-lhe
palavras e
calhaus,
ocasionando a
desencarnação de
Pedro, que é
então recebido
por Jesus.
Depois, ele
escuta um
chamamento da
Terra: é seu
algoz que,
diante da
enfermidade do
filho, roga a
Simão auxílio e
perdão, e o
apóstolo, agora
amadurecido
pelas
experiências e
possuído pelo
ideal de
fraternidade,
sem hesitações,
corre para
atender seus
irmãos em
humanidade.
(A parte final
desta entrevista
será publicada
na próxima
semana.)
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