Pela extensão e
valor da
entrevista,
publicamo-la em
duas partes. A
primeira parte
foi publicada na
edição passada.
O que mudou
entre Humberto
Campos encarnado
e o Espírito
Humberto?
No primeiro
livro
psicografado de
Humberto de
Campos publicado
em 1937 com o
título Crônicas
de Além-túmulo,
três anos depois
de sua
desencarnação
ocorrida em
1934, já no
prefácio o autor
assume seu
passado
materialista, em
que ideias
transcendentais
de perpetuidade
do Espírito
seriam
idealistas e
distantes da
realidade
prática da vida.
Enquanto
encarnado, sua
índole de
revolta e
amargura diante
dos sofrimentos
e dores nas
experiências da
vida, como ele
mesmo relata,
impediu que a fé
florescesse em
seu coração
conturbado, e,
embora
conhecedor do
Espiritismo
Consolador, este
não encontrou
campo para
trazer-lhe as
benesses e o
alívio, saturado
que estava de
fórmulas
religiosas e
filosóficas de
seu tempo. Como
ele mesmo disse,
“o pior enfermo
é sempre aquele
que já
experimentou
todos os
específicos
(medicamentos)
conhecidos”.
Desencarnado, se
surpreendeu com
a nova situação
além-túmulo,
pois em seus
últimos anos de
vida julgava o
túmulo o fim,
mas, diante da
continuidade da
vida, ficou
perplexo ao se
deparar com a
realidade
espiritual, que
em nada
corresponde às
ideias
religiosas
impregnadas de
símbolos, de
anjos, inferno e
céu. Esta nova
experiência abre
enfim seu
coração para o
medicamento
evangélico,
reconhecendo-se
como estudante
novo diante da
eternidade, como
conta no conto
“De um casarão
de outro mundo”:
“Ah! Meu Deus,
estou aprendendo
agora os
luminosos
alfabetos que os
teus imensos
escreveram com
giz de ouro
resplandecente
no livro da
Natureza.
Faze-me
novamente menino
para compreender
a lição que me
ensinas!” A obra
de Humberto de
Campos
desencarnado é o
trabalho de um
Espírito
intelectualizado,
agora desperto,
que procura
avidamente
regenerar seu
coração, como
escreve no
prefácio do
livro Boa
Nova: “É que
existem
Espíritos
Esclarecidos e
Espíritos
Evangelizados, e
eu, agora, peço
a Deus que
abençoe a minha
esperança de
pertencer ao
número desses
últimos”.
E a questão
Irmão X? que
disso resultou?
O histórico caso
do processo
movido pela
viúva de
Humberto de
Campos por
direitos
autorais dos
livros
psicografados
por Francisco
Cândido Xavier
permitiu à
Doutrina dos
Espíritos, bem
como aos
espíritas,
provar a
autenticidade e
o valor das
verdades
espirituais e
universais, que,
em verdade, a
ninguém
pertencem. O
testemunho das
lutas materiais
sofridas pelo
Movimento
Espírita, dado
no Tribunal em
que até a
justiça humana
invalidou o
direito
requerido a
produções
literárias
atribuídas a um
autor
“Espírito”,
resultou em
divulgação
favorável à
Causa bem como a
realização de
estudos sérios
das obras
psicografadas
pelo médium.
Chico Xavier,
que se veria
diante dos
tribunais
justificando e
defendendo sua
tarefa
mediúnica, em
carta endereçada
ao presidente da
FEB em 23 de
novembro de
1944,
exemplificando
sempre a todos
nós a sua
humildade, roga
em seu
desprendimento,
aos espíritas e
aos amigos, que
o ajudem com
silêncio e prece
e não com
defesas
precipitadas.
Muitas vezes,
tal como Simão
Pedro, puxamos a
espada para
defender Jesus,
a Doutrina e a
verdade, que são
capazes de se
defender por si
sós, e nosso
amoroso
Francisco
Cândido Xavier
sofria em ver
seus
companheiros com
tanto
conhecimento
evangélico
transformar-se
em lutadores,
esquecendo os
deveres cristãos
e os ideais de
caridade,
bandeira da
Doutrina
codificada por
Allan Kardec.
Jesus avisou-nos
que o “Escândalo
é necessário” e
que enviaria
seus discípulos
“ao mundo como
ovelhas no meio
de lobos”. Nas
palavras de
Humberto de
Campos no livro
Novas
Mensagens,
no capítulo
chamado “O
Espiritismo no
Brasil”, temos a
seguinte
declaração do
diretor de uma
reunião no plano
espiritual,
presentes
numerosos
companheiros de
Allan Kardec já
então
desencarnados,
em que se
discorria sobre
o futuro do
Espiritismo:
“Urge, pois, nos
voltemos para a
Europa e para a
América, onde,
se campeiam as
inquietações e
ansiedades,
existe um desejo
real de reforma,
em favor da
grande
cooperação pelo
bem comum da
coletividade.
Certo, essa
renovação é
sinônima de
muitas dores e
dos mais largos
tributos de
lágrimas e de
sangue; mas,
sobre as ruínas
da civilização
ocidental,
deverá florescer
no futuro uma
sociedade nova,
sobre a base da
solidariedade e
da paz, em todos
os caminhos dos
progressos
humanos...“.
Qual o perfil
dominante nos
textos de
Humberto-Espírito?
“Queria voltar
ao mundo que
deixei, para ser
novamente teu
filho, desejando
fazer-me um
menino,
aprendendo a
rezar com teu
Espírito
santificado nos
sofrimentos”,
diz Humberto de
Campos no texto
“Carta à minha
mãe”. No livro
Novas
Mensagens há
um apêndice
carinhosamente
escrito por
Almerindo
Martins de
Castro, de
maneira que
possamos
compreender quem
é Humberto de
Campos. Ele
descreve a
infância dura de
Humberto de
Campos, órfão de
pai, criação
humilde no
interior
brasileiro, em
uma região
carente, que
sofreu ao lado
da mãe a fome e
o frio da
pobreza
irremediável,
além de pouca
instrução
formal. Define
Humberto de
Campos como
perseverante
diante dessa
trilha obscura
de dores que
marcou sua vida
até aos louros
do
reconhecimento
como literato na
Academia
Brasileira de
Letras. Afirma
Humberto de
Campos: “Gosto
de subir mas não
gosto de mudar
de escada”,
assim como no
trecho da carta
destinado à sua
mãezinha, em que
gostaria de
refazer o trecho
já vivido, agora
aceitando a
caminhada com
Jesus, como
narra no conto
“Trago-lhe meu
adeus sem
prometer voltar
breve”, em que
se julgava em
dívida com a
doutrina por sua
não compreensão
do Parnaso de
Além-Túmulo.
Esteve com a
obra em
mãos enquanto
esteve
encarnado, e
ainda assim seu
espírito cético
e irônico
prevaleceu.
Desencarnado,
aparecendo a
oportunidade por
meio das mãos de
Chico Xavier,
reconhecido como
grande cronista,
Humberto de
Campos nos envia
Crônicas de
Além-Túmulo.
No prefácio de
Contos e
Apólogos,
cujo título é
Oferenda,
oferta-nos suas
histórias
resumindo:
“Dir-te-ão todas
elas que, além
da morte,
floresce a vida,
tanto quanto da
noite ressurge o
esplendor solar,
e que se há
flagelação e
desespero, ante
o infortúnio dos
homens, fulgem
sempre puras e
renovadas a
esperança e a
alegria ante a
glória de Deus”.
Algo que
gostaria de
acrescentar?
Na obra
Crônicas de
Além-Túmulo,
Humberto de
Campos relata no
capítulo 20 seu
encontro com o
apóstolo Simão
Pedro, em Minas
Gerais, em que,
surpreendido,
questiona a
veneranda
entidade sobre
os objetivos que
então
justificariam
sua presença
aqui no Brasil,
e o nobre
Apóstolo
responde-lhe:
“Venho visitar a
obra do
Evangelho aqui
instituída por
Ismael, filho de
Abraão e Agar,
dirigida dos
espaços por
abnegados
apóstolos da
fraternidade
cristã”. Na obra
de Humberto de
Campos fica
claro o caminho
do Brasil,
Coração do
Mundo, Pátria do
Evangelho, para
o que Jesus,
nosso guia e
modelo, diretor
do orbe
terreno, nos
convida à
abnegação com
coragem e
vontade, pois
estamos sob sua
tutela amorosa,
como diz o
Espírito de
Verdade no
prefácio de O
Evangelho
segundo
o Espiritismo:
“Homens, irmãos
amados, estamos
juntos de vós”.
No capítulo “A
casa de Ismael”
do mesmo livro
Crônicas de
Além-Túmulo,
o autor
espiritual nos
revela que a
obra espírita e
seu roteiro no
plano material
é, muito antes,
conhecida e
analisada no
mundo espiritual
e orientada com
base nas leis de
amor, justiça e
caridade que
regem todos os
nossos destinos,
apesar de todas
as
incompreensões e
os combates que
se dão em sua
trajetória. Os
inúmeros contos
do repórter do
Além,
psicografados
por Chico
Xavier, nos
trazem a lume
esse trabalho e
esse esforço do
plano espiritual
para que todos
nós, que estamos
sob a tutela de
Ismael,
ampliemos em
nossos corações
os ideais
sublimes do
amor, a
fronteira de
nossa nação e do
nosso coração
estendendo-se e
ampliando do
individual para
o coletivo e
por todo o
globo como um
imenso coração
irradiando os
princípios da
caridade, como
esclarece Pedro
Richard ao
estudante
Humberto de
Campos na obra
Novas
Mensagens:
“A obra de
Ismael tem de
começar no
íntimo das
criaturas. [...]
A casa de Ismael
tem de irradiar,
antes de tudo a
claridade do
amor e da
sabedoria
espiritual,
objetivando o
grande serviço
da edificação
das almas. [...]
Iluminado o
homem, estará
iluminada a obra
humana”.
Suas palavras
finais.
O Espírito de
Verdade, no
capítulo VI de
O Evangelho
segundo o
Espiritismo,
roga-nos:
"Espíritas,
amai-vos! Este o
primeiro ensino!
Instruí-vos,
este o segundo!”
Muitos dos
contos de
Humberto de
Campos, nas
páginas
psicografadas
por Chico
Xavier, tratam
de ocorrências
de que o autor
participa
relatando suas
próprias
experiências e
seu
aprendizado. No
livro Novas
Mensagens,
no conto “No
Banquete do
Evangelho”,
Humberto de
Campos narra uma
tarde de estudo
do
Evangelho presidida
por generosos
amigos
espirituais, em
que junto a
companheiros
intelectuais e
homens de letras
como ele,
recebia-se
orientação do
mais alto valor.
Enquanto ele e
os amigos
julgavam os
acontecimentos a
partir das
ciências
humanas, o
instrutor Pedro
Richard os
iluminava com
conceitos
evangélicos:
“Richard – disse
eu, em dado
instante,
valendo-me dos
recursos de
minha passada
literalice, no
desdobramento de
nossa palestra –
você sabe que
foi Pístrato
quem ordenou a
publicação das
rapsódias
homéricas? –
Ignoro –
respondeu ele,
humildemente –
em compensação,
sei que Jesus
ordenou aos seus
apóstolos a
grafia do
evangelho”. À
semelhança de
Jesus, o
governador do
orbe, sendo
tentado pelos
fariseus a
expor-se e
comprometer-se
com suas
palavras, ele
“tenta” seu
instrutor.
No capítulo
3 do livro Boa
Nova
(escrito depois
de Novas
Mensagens)
temos uma
conversa
semelhante em um
encontro de
Jesus e o
sacerdote Hanã,
homem orgulhoso
por
considerar-se
superior, em que
este
ironicamente
empreende uma
conversação com
Jesus
perguntando o
que ele faz na
cidade: “Passo
por Jerusalém
buscando a
fundação do
Reino de Deus! –
exclamou o
Cristo, com
modesta
nobreza. – Reino
de Deus? tornou
o sacerdote com
acentuada
ironia. – E o
que pensas tu
venhas a ser
isso? – Esse
Reino é obra
divina no
coração dos
homens! –
esclareceu Jesus
com serenidade.
[...] – Conheces
Roma ou Atenas?
– Conheço o amor
e a verdade –
disse Jesus
convictamente.
– Tens ciência
dos códigos da
Corte Provincial
e das leis do
Templo? –
inquiriu Hanã,
inquieto. – Sei
qual é a vontade
de meu Pai que
está nos céus –
respondeu o
mestre,
brandamente”.
O estudante
Humberto ainda
insiste com o
instrutor Pedro
Richard: “– Ah!
É verdade... –
dissemos nós
[...] – sem os
Evangelhos todo
o esforço do
mundo
corresponderá
justamente ao
trabalho
improfícuo das
Danaides. –
Danaides!? –
exclamou nosso
amigo, na sua
faina educativa.
– Não preciso
ainda desse
conceito
mitológico,
porque no
próprio
Evangelho está
escrito que não
se coloca
remendo novo em
pano velho”.
Ansiando por
transformar-se
do Espírito
esclarecido para
Espírito
evangelizado,
rico do
instruí-vos e
carente do
amai-vos, ante o
Amigo Sublime da
Cruz no livro
Lázaro Redivivo,
Humberto de
Campos, ciente
de suas
fraquezas, roga
a Jesus,
inspirando a
todos nós: “já
que é necessário
abandonar o meu
velho cântaro de
fantasias,
troca-me a
túnica das
últimas vaidades
literárias pelo
burel humilde do
viajor,
interessado em
atingir o berço
distante, embora
os atalhos
difíceis e
pedregosos!”
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