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Ano 9 - N° 433 - 27 de Setembro de 2015

GUARACI DE LIMA SILVEIRA
guaracisilveira@gmail.com
Juiz de Fora, MG (Brasil)

 
 

Guaraci de Lima Silveira

 

Ecos da apostasia

 

Ao longe caminha alguém. Numa das mãos uma vela acesa e noutra uma lupa. Barbas longas porque não tivera tempo de apará-las, roupa cheirando a pó porque vinha de longe. Está cansado, pés doendo, joelhos sofridos, contudo continua sua caminhada. De onde está vindo? Aonde pretende chegar? Vem de bem longe eu sei, em busca de sua maturidade. Trabalha como os sábios que deixam para trás as indolências, as malfeitorias, os pregos cravados nas cruzes que ergueram com pessoas nelas depositadas. Este é o homem que pesquisa. Este é o homem que procura o seu sentido, a sua benfazeja paz. Homens assim são raros. Quase nunca aparecem para tomar uma caneca de água que o bom velhinho guarda na sua tina e aguarda na porta da sua casa à beira dos caminhos. Quase sempre os homens preferem os despenhadeiros. Representam a rebeldia de Adão e insistem por comerem o fruto do conhecimento do bem e do mal, mesmo sabendo que o mal não é criação divina e sim dele, pobres guardadores das suas quimeras.

E lá vem o nosso homem da vela e da lupa e lá ficam os milhares embriagados pelos vícios de cada hora e que se renovam a cada dia. E por quê? Por que ainda em nosso mundo onde fulguram luzes as criaturas não se dão conta da sua imortal divindade? É sobre este tema que pretendemos abordar neste pequeno ensaio. E vamos iniciá-lo citando a questão 115 de O Livro dos Espíritos em que Allan Kardec pergunta se, na criação, uns Espíritos foram criados bons e outros maus. A resposta obtida é a de que “Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, ou seja, sem conhecimento. Deu a cada um deles uma missão, com o fim de os esclarecer e progressivamente conduzir à perfeição, pelo conhecimento da verdade e para os aproximar dele...” É uma resposta que já nos coloca como o homem da vela acesa e da lupa. E também de barbas compridas e cheirando a pó da estrada uma vez que ela nos informa que estamos vindo de muito longe, no tempo e no espaço.  

O sábio não alimenta os desejos 

Saídos de Deus somos todos. A caminho de retorno para Ele, estamos todos. Encontramos no célebre livro Tao Te Ching, parágrafo 64, o seguinte: “O sábio não alimenta os desejos, não conserva o que é difícil de conseguir, aprende o não aprender, passa ao lado das práticas da multidão; trabalha com a natureza dos homens, mas não age sobre eles”.  Vamos nos ater aos versos em que lemos que o sábio passa ao lado das práticas da multidão, trabalha com a natureza dos homens, mas não age sobre eles. E por que criaturas assim são sábias? Bem, tentaremos fazer uma análise: a multidão é quase sempre guiada por paixões vespertinas, aquelas que nos induzem a práticas emocionais não bem decodificadas e que nos tornam elementos impulsivos, agindo invariavelmente com instintos que cultivamos nos tempos passados. Daí que quando alguém se autodetermina uma modificação para o conhecimento da plenitude, a fase instintiva necessita ser guardada e utilizada apenas para os modos da coordenação motora e sensória inicial. O que busca a sabedoria está deixando para trás um tempo de inseguranças, incertezas, longe da verdade que ilumina e aquece. A seguir vamos encontrar: “trabalha com a natureza dos homens, mas não age sobre eles”. Sim, somos humanos e necessitamos dessa convivência como nos preceitua a questão 766 de O Livro dos Espíritos que nos ensina que Deus nos criou para vivermos em sociedade. Mas, esta sociedade é classificada onde a grande massa ainda se encontra distante daquela anunciada verdade por Jesus. Daí que, obedecendo aos ditames do livre-arbítrio, não cabe a ninguém interferir nas questões de foro íntimo que não as suas. Penso num sábio caminhando no topo de uma montanha e os que não desejam segui-lo aglutinando-se lá embaixo no vale, lutando por um pedaço disto, daquilo, daquilo outro, onde sua vã disposição indicar. “Quando alguém receia governar como receia seu corpo, podemos confiar-lhe o mundo” encontramos ainda no Tao Te Ching, agora no parágrafo 13.  

Como sair do vale e buscar o topo? 

Este é o corpo que se distribui em multidimensões, a partir do somático até o social, nacional, continental e planetário. Por aqui neste planeta poucos conseguem enxergar os corpos das dimensões espirituais. Com certeza o autor daquele livro se referia aos corpos materiais que tanto nos jungem ao mundo.

Hoje sabemos que a onda é partícula e que partícula é onda. Elétrons gravitam em torno do núcleo de um átomo e ao mesmo tempo circulam livres pelo espaço como ondas ou partículas. No primeiro caso contribuem para a formação de moléculas, substâncias, sistemas e corpos. Mas, em dado momento, voltam ao pó da origem e são elétrons livres. Amit Goswami, Ph.D em Física Quântica, nos diz em seu livro O Universo Autoconsciente: “... se eu soubesse disto não teria me metido em física quântica!” Huberto Rohden, filósofo brasileiro, em seu livro: Einstein – O Enigma do Universo, nos fala na pág. 86: “Quanto mais o homem se aproxima de Deus, mais silencioso se torna, mais anônimo, mais amorfo, mais incolor”. Este talvez seja o sábio da vela acesa e da lupa que anda porque vem de longe e que não se preocupa com o corpo, por isso é bom governador dos próprios passos. “O nosso ego-empírico só conhece as facticidades relativas no espelho ilusório de tempo e espaço – Nada sabe da Realidade Verdadeira”, continua Rohden. Este é o homem que fica no vale em busca dos seus territórios efêmeros. Adiante ele diz: “O nosso  Eu cósmico sabe da Realidade e a saboreia – mas não a pode pensar nem dizer”. Este é o sábio que busca de vela acesa o encontro com o seu íntimo, a partir da intimidade da Natureza, pródiga em lições.

Daí que nos perguntamos: como deixar o vale e buscar o topo? Há uma determinação, uma vontade entre eles. Ambas devem ser exercidas pelo Espírito que se cansou de ser vale, de andar e agir sobre homens como ele, e busca outros homens, aqueles mais amadurecidos, mais distantes do início e mais próximos da verdadeira luz.  

Há três sóis neste mundo 

A luz do néon encanta, porém é luz para as noites, para as cavernas, para os lupanares, para os jogos esfuziantes que entorpecem as consciências. Há três sóis neste mundo. O primeiro é aquele que surgiu no primeiro dia da criação: o Cristo. O segundo sol apareceu no sexto dia sob o título de luzeiro e o terceiro sol está adormecido no interior do coração da esmagadora maioria dos homens que passam ao lado de outros homens, sem velas acesas, lupas, e com brocados e lantejoulas adornando seus pobres e mortais corpos. Nos lábios a sensualidade que convida ao desterro do sexo pelo sexo. No olhar a ganância, nas mãos as garras que acrisolam, acrisolando-se. E vamos nos socorrer com Einstein. Vejamos uma de suas frases lapidares: “O mecanismo do conhecimento não é lógico e intelectual – é uma iluminação subitânea, quase um êxtase. Em seguida, é certo, a inteligência analisa e a experiência confirma a intuição. Além disso há uma conexão com a imaginação”.

Agora podemos começar a entender a razão da vela e da lupa, do descaso com o corpo e com o pó que se acumula na caminhada, uma vez que são simplesmente pós! O sábio não se constrói quando o sol se põe num dia para ressurgir noutro dia. O sábio se constrói ao longo dos séculos, das perquirições, das persistências e da lealdade a si. E este é, invariavelmente, o caminho de todos nós, porque traçado por Deus, como Tao da Libertação proposto por  Mark Hathaway e Leonardo Boff no livro do mesmo nome. E eles nos dizem no capítulo um: “Se evitarmos uma transformação profunda poderemos cair num futuro cheio de miséria, pobreza e degradação ecológica. Mas, podemos despertar para a urgência e para a radicalidade das mudanças necessárias e buscar o Tao da Libertação. Se escolhermos essa segunda alternativa, então teremos uma oportunidade para despertar a espiritualidade coletiva da humanidade”. E podemos substituir o  nome Tao da Libertação por Caminho da Libertação, pois este é o sentido da proposta. 

Evangelizar-se: que significa isso? 

Homens simples, comuns. Homens sábios que vestem a túnica do peregrino, eis as opções, os quadros metamórficos, os princípios da sobrevivência e os da ambivalência. Com qual devemos ficar? Há os ecos da apostasia(1) que nos chamam, que nos convidam. Há um Universo em expansão, há mundos simétricos e assimétricos que nos atraem até mesmo sem percebermos. Há um ciclo novo que vai se implantando aos poucos na Terra. Sou expectador ou sou ator? Boa e necessária pergunta. Os sábios consolidados já nos deixaram suas abençoadas lições. Os párias continuam à margem e os mandarins e escribas escrevem, escrevem, falam, falam e pouco dizem. Os executores legais andam lentos num tempo que anda rápido. Os governadores quase não sabem governar o próprio corpo. Há um fundamento básico: evangelizar-se.

Mas, o quem vem a ser isso? Ser religioso, sacerdote, ritualista, cultor de ídolos? Quase sempre se faz esta conexão quando falamos em evangelizar. São os néscios pouco acostumados com a dinâmica de Jesus. Isto se caracteriza desde muitos séculos após a epopeia dos primeiros seguidores do Mestre. Aqueles sim, sabiam do que se tratavam as lições profundas, sublimes, consoladoras e indicativas que vieram da Palestina sob o manto da humildade e da caridade, mostrando-nos que somente com estes critérios alguém consegue tornar-se iniciado nas transformações necessárias aos avanços espirituais. A Terra é uma grande oficina de trabalho e evolução desde seu núcleo até as esferas superiores onde mourejam os auxiliares diretos do Cristo. Ela faz parte de um sistema planetário cujo centro é o sol que mantém a ordem e a dinâmica deste conjunto de ações, carregando consigo bilhões de Espíritos em busca da perfeição. Desta forma, buscar os ensinamentos de Jesus é capacitar-se para adentrar os reinos superiores da consciência pelo entendimento das Leis que regem o Universo. 

O Espírito reencarna perpetuamente? 

Vamos aqui recordar o que anotou João no capítulo oito, versículo doze do seu evangelho: “E Jesus falou: Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não caminha nas trevas, mas terá a luz da vida”. As reflexões em torno deste verbo devem aprofundar-se indo ao início, na formação da Terra. Emmanuel em seu livro A Caminho da Luz nos fala sobre Jesus, desde o princípio, controlando as forças telúricas, moldando o orbe, conformando seu solo, erguendo montanhas, criando lagos, mares e oceanos. Sob sua austera e sábia batuta o mundo foi ganhando forma, deixando o abismo do início para o cosmo da beleza organizada e refletida nas relvas, árvores, vales, encostas, picos, flores, frutos... Então como podemos entender o Evangelho como um conceito de regras ritualistas que lembram os sacrifícios oferecidos a Deus, desde tempos imemoriais e mais ainda desde o tempo do Tabernáculo e do Templo de Salomão?

Carecemos de um conhecimento mais arrojado sobre as lições de Jesus. Necessitamos entendê-las e cumpri-las, não para a glória de outrem e sim para a nossa própria glória no processo da aglutinação de valores que nos capacitem a seguir além, deixando as brincadeiras, masmorras e ilusões do passado. Estamos encarnados em cumprimento de uma determinação do nosso processo evolutivo. Na questão 168 de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec indaga: “O número das existências corpóreas é limitado ou o Espírito se reencarna perpetuamente”? “A cada nova existência o Espírito dá um passo na senda do progresso; quando se despojou de todas as impurezas, não precisa mais das provas da vida corpórea.” Esta é a resposta dos Espíritos. Confortadora esta resposta, pois que nos dá como premissa a perfeição gradual que vamos atingindo. Ora, se alguém está progredindo para a perfeição, claro fica que necessita entender as Leis e normas que regem os domínios da perfeição.  

Seguir para Deus, eis um antigo convite 

Eis aí a necessidade de estudar, entender e seguir o evangelho de Jesus que representa o seu conhecimento, a sua verdade, a sua vontade e os seus desígnios àqueles que Deus colocou sob sua tutela neste Planeta.

Seguir para Deus! Quantos ao longo dos milênios e dos séculos nos têm feito este convite e que ficou na apostasia, mas que ressurgem como ecos do Pai em busca dos seus amados filhos, muitos deles ainda perdidos nos vales das maldades, principalmente para consigo mesmo. “Tudo no mundo tem uma origem, essa origem é a ‘mãe suprema’. Conhecer a mãe é conhecer o filho. Quem conhece o filho regressa à mãe. Não mais correrá perigo.” A qual filho o autor do Tao Te Ching se refere no seu parágrafo 57? Certamente, a Jesus, o Cristo Planetário. Todos os Profetas do Antigo Testamento em suas visões mediúnicas registraram os convites dos planos espirituais ao homem ainda jungido à matéria a buscar algo além, a buscar o Malkuta, como eles diziam. E o que é Malkuta? Simples: O Reino dos Céus. Acontece que o Malkuta está em nós como semente pequenina que precisa crescer. “Põe-te em pé! Levanta-te e resplandece, porquanto a tua Luz é chegada, e a Glória de Yahweh raia sobre ti.” Isaías 60-1. “Desperta, ó tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e Cristo resplandecerá sobre a tua pessoa.” Paulo aos Efésios 5-14. “Se não oprimirdes o estrangeiro, e o órfão, e a viúva, nem derramardes sangue inocente neste lugar, nem andardes após outros deuses para vosso próprio mal, Eu vos farei habitar neste lugar, na terra que dei a vossos pais, desde os tempos antigos e para sempre.” Jeremias 7:6,7. “Convertei-vos, e desviai os vossos rostos de todas as vossas abominações.” Ezequiel 14:6. E nos alerta Zaratustra desde a antiga Pérsia em meados do Século VII a.C.: Aquele que diz uma palavra injusta pode enganar o seu semelhante, mas não enganará a Deus”.    

A felicidade é um estado de consciência 

Quantas mensagens que vieram dos planos espirituais estão esquecidas dentre nós! Os profetas iniciaram suas pregações quase mil anos antes de Jesus e desde aquela época buscaram nos envolver num tempo melhor, sem guerras, conflitos, mortes.

Aqui fica essa reflexão, aqui deixamos essas lembranças para que retornem ao nosso consciente, pois, com toda certeza, todos fomos convidados desde cedo a trilhar os justos caminhos das Leis Divinas e Universais, mas preferimos criar as nossas próprias e a elas somos inteiramente fiéis até o dia da dor. Mas, não necessitamos mais da dor da expiação. Allan Kardec, em seu livro O Céu e o Inferno, nos diz do arrependimento, da expiação e da reparação aos erros cometidos. O não fazer estas recomendações é que tem causado tantos distúrbios sociais e psicológicos nos indivíduos deste tempo. Lembremos sempre que somos filhos criados e abençoados por Deus e não párias à margem de civilizações gloriosas que vivem em orbes felizes. Também podemos ser, pois que a felicidade é um estado de consciência conquistado. Ergamos, por isso, e caminhemos. Há muito que fazer, aprender, crescer e viver. A matéria e os bens que ela produz haverão de tornar-se pó que dará origem a outros bens. O poder e a ganância serão revertidos no poder de cocriar com Deus, dentro dos objetivos supremos de chegar-se à divindade que está latente em nós. A sensualidade será transformada na criação virtuosa de benefícios mútuos. Os vícios desaparecerão e os hábitos distintos nos levarão ao santuário sagrado que todos temos como habitação de Deus em nós. Guerras e dissensões. Mínguas e migalhas não sobreviverão ao homem herói de si do porvir. E como nos diz o filósofo alemão Hegel: “Em si – fora de si e o retorno a si”. E, a cada retorno trazendo cheio o cálice bem-aventurado de novas bênçãos e conquistas. E quem sabe, não seremos o homem de barbas longas, roupa cheirando a pó e nas mãos a vela acesa e a lupa?


(1)
Apostasia significa: separação ou deserção do corpo constituído (de uma instituição, de um partido, de uma corporação) ao qual se pertencia; abandono da fé de uma igreja, especialmente a cristã; abandono do estado religioso ou sacerdotal.


 


 
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