Alan Cezar Runho:
“O trabalho é
uma ferramenta
de evolução
moral, não
um
castigo”
Espírita de
berço, o
confrade, que é
Juiz do Trabalho
em sua cidade,
fala-nos sobre o
trabalho e sua
importância no
processo
evolutivo do ser
humano
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Alan Cezar Runho
(foto),
espírita desde a
infância,
natural de
Araraquara, no
interior
paulista, onde
também reside, é
um dos
colaboradores do
Centro Espírita
Portal da Luz,
da mesma cidade.
Juiz do Trabalho
desde 1998, o
confrade
concedeu-nos
gentilmente a
entrevista
seguinte, em que
o tema central é
o trabalho em
face das Leis
divinas e das
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O Livro dos
Espíritos dedica
um capítulo
inteiro para
tratar da Lei
do Trabalho.
Que essência
podemos extrair
desse capítulo
para nossas
ações no bem a
que somos
chamados?
A compreensão de
que o trabalho,
de todas as
formas, é uma
necessidade
perpétua do
Espírito, seja
para o completo
desenvolvimento
de suas
competências em
busca da
perfeição, seja
para colaborar
nos desígnios do
Criador.
Como conciliar a
imperfeição das
leis humanas,
concernentes às
leis
trabalhistas, e
a sabedoria das
Leis Divinas
quanto ao
trabalho?
As leis humanas
existem porque o
homem ainda não
aprendeu a amar.
Quando
praticarmos a
lei do amor em
toda sua
essência,
querendo para os
outros o que
queremos para
nós mesmos,
constataremos
quanto as leis
humanas são
supérfluas. Ao
nos pautarmos
pela ética do
Cristo nos
relacionamentos
humanos, a
imperfeição das
leis humanas
deixará de ser
um obstáculo.
Da legislação
humana
específica do
trabalho, em sua
opinião, quais
aspectos mais
progrediram de
forma a se
aproximarem dos
objetivos da
Providência
Divina com
relação ao bem
dos seres
humanos?
Ao longo dos
anos, destaco
como os maiores
progressos da
legislação
trabalhista: 1)
o aumento da
proteção do
trabalhador em
relação à
duração da
jornada e às
condições de
higiene e
segurança do
trabalho,
evitando a
prematura
degradação
física e
psíquica do ser
humano; 2) a
proibição contra
qualquer tipo de
discriminação
por motivo de
sexo, idade,
cor, crença
religiosa ou
estado civil,
evidenciando o
conceito da
fraternidade; e
3) recentemente,
o reconhecimento
da identidade de
direitos do
trabalhador
doméstico, tido
por alguns como
o segundo
estágio da Lei
Áurea.
O que nos falta
ainda
aperfeiçoar na
legislação
trabalhista
humana para
maior
proximidade com
as Leis Divinas?
Assim como a dor
nos alerta
quanto à
necessidade de
retomar o
caminho das leis
divinas, penso
que a legislação
ainda é carente
de mecanismos
eficazes de
persuasão ao
cumprimento das
obrigações
legais. Embora o
arcabouço
jurídico seja
bastante robusto
na previsão de
direitos e
garantias, o
empenho estatal
para o seu
respeito ainda é
deficiente.
Nesse estado de
coisas, muitos
se sentem
tentados ao
desrespeito a
direitos
fundamentais dos
trabalhadores,
aumentando as
tensões e
conflitos.
Nos embates
jurídicos
trabalhistas, o
que é mais
expressivo?
Infelizmente, a
ganância e a
incapacidade de
exercer a
alteridade, de
colocar-se no
lugar do outro
na relação. De
um lado,
empregadores que
escolhem
descumprir
obrigações
básicas para
auferirem maior
lucro, apostando
na impunidade;
de outro,
trabalhadores
que vêm nas
demandas
judiciais uma
chance de
enriquecimento;
de ambos os
lados,
representantes
que esqueceram,
ou não
conheceram, o
verdadeiro
objetivo da
Justiça e
enxergam o
processo apenas
como uma fonte
de renda. Isso
acontece porque
ainda somos
materialistas e
imediatistas. O
orgulho ainda é
traço marcante
em nós e não
compreendemos a
lição do Cristo
quando nos
ensinou que a
bem-aventurança
está na brandura
e na
pacificidade.
Como um juiz
trabalhista
procura ou
consegue
conduzir, diante
da imperfeição
das leis
humanas, os
interesses de
patrões e
empregados e a
consciência de
retidão indicada
pela profissão?
Ainda que não se
mostrem
perfeitas, as
leis humanas já
evoluíram
bastante e
oferecem
recursos
suficientes para
o julgamento das
causas. A
sensibilidade do
juiz na
apreciação dos
conflitos e dos
conflitantes é o
diferencial para
uma solução
justa. Sua maior
dificuldade é
identificar suas
próprias
mazelas. Por que
determinadas
posturas dos
conflitantes e
de seus
representantes o
incomodam mais
que outras? O
que há de
imperfeição nele
que está sendo
refletido na
postura dos
litigantes?
Quando o juiz
consegue
identificar tais
fragilidades,
encontra maior
facilidade para
conduzir as
partes a uma
conciliação, ou
serenidade
necessária para
distribuir o
direito a cada
um.
Algo marcante
que gostaria de
destacar de suas
lembranças no
tocante à
profissão e o
conhecimento
espírita?
Talvez não
propriamente uma
lembrança ou
fato marcante,
mas a
compreensão que
o conhecimento
espírita me
possibilita de
que a Justiça
Divina sempre
está presente,
mesmo nos meus
erros de
apreciação ou de
julgamento.
Ainda que busque
uma postura reta
e imparcial,
compreendo que
não sou o
promotor da
Justiça mas,
sim, um de seus
inúmeros
agentes.
O egoísmo e o
orgulho ainda
têm sido grandes
obstáculos nas
conciliações
trabalhistas? Um
juiz consegue
atenuar esses
quadros?
Penso que já
adiantei tal
convicção nas
perguntas
anteriores e
respondo
afirmativamente.
A postura
materialista
advinda do
egoísmo e do
orgulho é o
maior entrave à
conciliação. O
juiz consegue
atenuar esse
quadro quando
age com
serenidade e
domina a arte da
persuasão, como
Jesus no
episódio da
mulher adúltera.
Não foi com o
emprego de força
ou argumentação
sólida, tampouco
com a exibição
de seu título de
autoridade que
Jesus fez cessar
a agressão
àquela mulher,
mas com a
persuasão.
Com o
conhecimento
espírita o que
lhe sobressai
diante do
trabalho
remunerado e
seus
desdobramentos?
O trabalho
remunerado é uma
necessidade.
Conforme posto
na resposta à
questão 674 de
O Livro dos
Espíritos,
“a civilização
obriga o homem a
trabalhar mais,
porque aumenta
as suas
necessidades e
os seus
prazeres”. Penso
que a maior
dificuldade seja
identificar
quais são as
reais
necessidades e
as aptidões
naturais de cada
um. A esse
respeito, as
respostas às
questões 926 a
928 - a da mesma
obra são
excelentes
fontes de
reflexões.
E o trabalho
voluntário, como
é visto no
binômio leis e
progresso
espiritual?
Em última
análise, o
trabalho
voluntário
atende às
finalidades da
encarnação,
assim
compreendidas na
forma da
resposta à
questão 132 de
O Livro dos
Espíritos. A
um só tempo,
propicia o
aprimoramento
(físico,
intelectual e
espiritual) de
quem o
desempenha e
contribui para
com a Criação
ou, como
expresso naquele
texto, põe “o
Espírito em
condições de
enfrentar a sua
parte na obra da
Criação”.
Algo mais que
gostaria de
acrescentar?
Lembrei-me de um
vídeo sobre
Chico Xavier
exibido pelo
amigo Orson
Peter Carrara em
uma de suas
palestras e que
exemplifica qual
é o limite do
trabalho. O
incansável irmão
que dedicou a
encarnação para
servir Almas e
Espíritos, até o
limite de suas
forças.
Suas palavras
finais
Que possamos
compreender o
trabalho como
uma ferramenta
de evolução
moral, e não
como um meio de
acumulação de
riquezas
materiais,
tampouco como
uma punição,
como na
interpretação
precipitada da
alegoria
bíblica.