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Ano 5 - N° 239 - 11 de Dezembro de 2011

ANSELMO FERREIRA VASCONCELOS
afv@uol.com.br
São Paulo, SP (Brasil)

 


Warren S. Brown

Ampliando a capacidade de discernimento 

Discernimento é definido pelo dicionário Houaiss como a capacidade de compreender situações e de separar o
certo do errado


Os Espíritos que guiam a humanidade terrena têm sistematicamente enfatizado que o progresso espiritual – objetivo fundamental do nosso retorno à vida corporal – só é alcançado se nós nos desenvolvermos em várias dimensões, virtudes e capacidades. No presente artigo vamos discorrer sobre o discernimento, já que a falta dele, não raro, leva a graves consequências para o bem-estar espiritual do indivíduo.

Posto isto, cumpre inicialmente destacar que o substantivo discernimento é definido pelo dicionário Houaiss como a capacidade de compreender situações e de separar o certo do errado. Pressupõe igualmente a habilidade que um indivíduo tem de avaliar as coisas com bom senso e clareza, juízo e tino. É também considerado sinônimo de inteligência e perspicácia e, em decorrência, antônimo de indiscernimento e inépcia. Assim sendo, logo se vê que se trata de uma capacidade inegavelmente básica. No entanto, seria um despautério afirmar que ela seja encontrada em abundância no mundo onde vivemos.  

Esclarece o cientista social Warren S. Brown que discernimento é a forma de sabedoria em ver uma questão através de uma perspectiva singularmente inteligente, e que tem o potencial de levar à solução de um problema concreto ou de enquadrá-lo de uma maneira tal que conduza à clareza da questão.1

Por sua vez, o pesquisador Hazel C. V. Traüffer propõe que discernimento é a regulação do pensamento de um indivíduo na busca de “aquisição e aplicação de conhecimento na tomada de decisões que sejam corretas, justas, e dignas”.2 A propósito, Traüffer e seus colegas acreditam que, de uma perspectiva acadêmica, discernimento está inserido dentro da disciplina de espiritualidade.3 E tal afirmação nos dá mais tranquilidade para abordar o tema em questão sob as lentes da Doutrina Espírita.

Aliás, a capacidade de discernimento tem sido associada ao lendário rei de Israel, Salomão, que, baseado na sua admirável habilidade de fazer o certo, justo e de tomar decisões corretas, tem sido reverenciado, pelo menos por alguns pesquisadores, como o homem mais sábio que já viveu neste mundo.4

Cultura intelectual e aprimoramento moral são, segundo Emmanuel, imperativos da vida

Entretanto, cabe destacar que embora tivesse sido um líder com acentuada capacidade de julgamento, Salomão não era perfeito. Mas voltando à ligação de discernimento com o campo religioso, que nos interessa examinar mais particularmente, o apóstolo Paulo foi enfático ao nos conclamar o seguinte: “E peço isto: que o vosso amor cresça mais e mais em ciência e em todo o conhecimento”.5 Ora, não fica difícil depreender que o importante missionário de Deus nos concitava a desenvolvermos o amor esclarecido, sadio e equilibrado.

O Espírito Emmanuel, de maneira similar, argumenta que “Cultura intelectual e aprimoramento moral são imperativos da vida, possibilitando-nos a manifestação do amor, no império da sublimação que nos aproxima de Deus”.6 Afinal de contas, como ele bem pondera: “... o semeador do Céu ausentou-se da grandeza a que se acolhe e veio até nós, espalhando as claridades da Revelação e aumentando-nos a visão e o discernimento [...]”.7 Assim sendo, “Aceitar os problemas do mundo e superá-los, à força de nosso trabalho e de nossa serenidade, é a fórmula justa de aquisição do discernimento”.8

Portanto, em que aspectos (problemas) podemos colocar em prática essa capacidade? Allan Kardec nos dá uma pista importante quando ele indagou aos mentores espirituais o seguinte: “Como distinguirmos se um pensamento sugerido procede de um bom Espírito ou de um Espírito mau?” Ao que eles prontamente lhe esclareceram: “Estudai o caso. Os bons Espíritos só para o bem aconselham. Compete-vos discernir”.9 A Doutrina Espírita nos esclarece que vivemos em constante permuta mental com as entidades desencarnadas. Ao analisar a natureza da sugestão que nos acorre à mente poderemos saber a polaridade espiritual do emissor invisível. 

Mas podemos incluir ações inteligentes ou capacitação para, por exemplo, enxergar a realidade tal qual ela é. Nesse sentido, basta observarmos as catástrofes e tragédias que assolam o nosso mundo na atualidade para concluirmos que algo muito sério está em curso.  

Nossa opaca visão nos impede, muitas vezes, de enxergarmos as coisas que desafiam o bom senso 

Basta repararmos na pletora de falsos profetas imiscuídos no seio das religiões, de modo geral, barganhando a fé, desvirtuando as almas incautas, entre outros descalabros. É também digna de nota a miríade de pseudoterapeutas – verdadeiros lobos humanos – que exploram a ingenuidade humana prometendo o que não podem entregar.

Vale acrescentar igualmente a treva que há em nós mesmos – algo sempre muito duro de admitirmos. Aliás, o Espírito Emmanuel observa com sabedoria que: “O comprimido ajuda, a injeção melhora, entretanto, nunca te esqueças de que os verdadeiros males procedem do coração”.10 No entanto, a nossa opaca visão nos impede – muitas vezes – de enxergarmos as coisas que desafiam o bom senso. E isto é tão grave que, não raro, abarca até mesmo as nações como um todo. Um fato recente que reforça essa percepção diz respeito à prevalência da lei do Talião na execução do conhecido terrorista Osama Bin Laden. O triste desfecho dessa história – totalmente divorciada de qualquer ideal cristão – provavelmente redundará em mais violência e destruição de vidas. 

Discernimento tem uma ligação – no sentido transcendente que nos propomos examinar aqui – com a iniciativa de procurar entender a sabedoria divina. Posto isto, o referido mentor nos recomenda que busquemos a nossa intimidade com sabedoria por meio do estudo e da meditação de modo a podermos captar os alvitres de Deus.11 Nesse particular, vale ressaltar que o evangelho é o remédio vital para que a nossa saúde espiritual seja preservada. Com efeito, Jesus nos advertiu que, se quiséssemos segui-lo – e ele foi o que mais perfeitamente captou o pensamento divino –, que renunciássemos a nós mesmos. Tal recomendação claramente sugere qual é o caminho para nos alinharmos a Deus.

Por extensão, também não conseguiremos progredir em nossa capacidade discernitiva se não combatermos o egocentrismo que geralmente ressuma de nós. Relata Lucas (17:15) que Jesus curou em determinada aldeia dez leprosos ávidos pelos seus poderes miraculosos em sua viagem rumo a Jerusalém. No entanto, apenas um voltou para agradecer a graça recebida.  

Cada um de nós tem uma bagagem pessoal e também necessidades particulares 

De fato, mesmo quando recebemos ajuda do mais alto nos esquecemos – não raramente – de agradecer ou de admitir que tudo poderia ser muito mais difícil. Em contraste, discernimento envolve, por ilação, ter ou mostrar disposição para o eventual sacrifício e renúncia. Senão, como progredir espiritualmente? Por isso, Emmanuel nos incita a servirmos sempre. E a caridade é indiscutivelmente um meio eficaz de colocarmos essa recomendação em prática.

Discernimento abrange a necessidade de termos tolerância com as diferenças. Embora sejamos semelhantes, não somos iguais. Cada um de nós tem uma bagagem pessoal e necessidades particulares. O imperativo da diversidade está presente, aliás, em toda a criação.

Por outro lado, falhamos dolorosamente por não exercitarmos a autocrítica. Afinal de contas, nós não somos perfeitos e, por isso, apresentamos ainda falhas terríveis de caráter, personalidade e valores cultuados. Sócrates foi extremamente inspirado ao nos estimular a que conhecêssemos a nós mesmos. No entanto, “Somos pródigos em argumentos para não crer e, assim, não ter que mudar”, conforme observa o Espírito Inácio Ferreira.12

Afirma ele ainda que: “Saúde mental é também saber aceitar-se com as próprias fragilidades, sem, todavia, com elas se conformar”.13 O referido mentor espiritual enfatiza – com indiscutível acerto – que a análise do teor dos nossos pensamentos revela as nossas reais intenções.14 Tal exercício de autocrítica nos parece altamente efetivo e profícuo, especialmente quando se objetiva atacar o cerne dos nossos males, isto é, a nossa casa íntima. Vale acrescentar aqui o incomensurável poder de autoajuda – não conhecemos, aliás, instrumento mais eficaz – derivado do Evangelho. Contudo, conforme observa o benfeitor e as evidências mostram que ele tem razão: “Poucos são os que procuram auscultar, em profundidade, as lições que se encontram exaradas no Evangelho”.15  

Discernimento é adquirir serenidade para aceitar viver com base em valores espirituais 

Por outro lado, admitir que não sabemos tudo (isto é, que a verdade não é nossa) nos parece uma inteligente forma de expressar o discernimento. De fato, buscar a compreensão das forças e dinâmicas que regem a vida é imprescindível para se alcançar a maturidade espiritual. O mesmo raciocínio vale para não se atribuir valor a coisas de somenos importância. Afinal de contas, como desenvolvermos o discernimento se somos hedonistas e, nessa condição, manietados a uma vida de prazeres que anestesiam a mente, entorpecem a sensibilidade e endurecem o coração?  

O homem moderno, infelizmente, tem sido pródigo em inventar novas formas perniciosas de distração que o tem levado aos excessos e vícios que apresentam um efeito igualmente alienante às criaturas, tal como a perversa drogadição e o alcoolismo. É o caso das pessoas que têm verdadeira obsessão por jogos de videogames, redes de Internet, sites de chats, conversas ou mensagens pelo celular etc. Ultrapassando em larga medida os limites do razoável e ferindo a noção de equilíbrio, essas criaturas ficam horas e horas completamente embriagadas por distrações paralisantes – autênticos viciados como assim atestam os especialistas – que as impedem de voar por meio do pensamento sadio e da meditação inspirada. Portanto, discernimento é saber priorizar o tempo – que, por sinal, anda cada vez mais escasso por conta de jornadas de trabalho excessivas e crescentes obrigações – para coisas que nos agreguem sabedoria. Como diz o Espírito Inácio Ferreira, “Evoluir é promover a reeducação do espírito”.16

Na perspectiva a que nos propomos discorrer sobre discernimento, cabe uma reflexão sobre a necessidade de eliminarmos a revolta e a indignação com tudo e com todos. Não há como negar que o mundo está cheio de imperfeições, falhas, desajustes, injustiças e incoerências devido ao que somos na intimidade. Jesus certamente espera o nosso esforço e empenho em sermos melhores. Desse modo, discernimento é adquirir serenidade e paz interior para aceitar viver com base em valores espirituais. Concluindo, devemos usar os dilatados recursos que o Espiritismo nos dispõe e aplicá-los na ampliação da nossa cognição (isto é, percepção, juízo e entendimento) do mundo e, sobretudo, de nós mesmos. 

 

Notas bibliográficas: 

1.      BROWN, W.S. Seven pillars of the house of wisdom. In R.J. STERNBERG e J. JORDAN (Eds.), Handbook of wisdom: psychological perspectives. New York, NY: Cambridge University Press, 2005, p. 355. 

2.      TRAÜFFER, H.C.V. Towards an understanding of discernment: a 21st-century model of decision making”, unpublished doctoral dissertation, Regent University, Virginia Beach, VA, 2008, citado em TRAÜFFER, H.C.V., BEKKER, C., BOCÂRNEA, M., e WINSTON, B.E. Towards an understanding of discernment: a conceptual paper. Leadership & Organization Development Journal, Vol. 31, No. 2, 2010, p. 178.

3.      TRAÜFFER, H.C.V., BEKKER, C., BOCÂRNEA, M., e WINSTON, B.E. Towards an understanding of discernment: a conceptual paper. Leadership & Organization Development Journal, Vol. 31, No. 2, 2010, p.177.

4.      Ibidem, p. 181.

5.      Filipenses, 1: 9.

6.      XAVIER, F.C. (Pelo Espírito Emmanuel). Fonte Viva. Versão digital. FEB, 2008, p. 104.

7.      Ibidem, p. 75.

8.      Ibidem, p. 121.

9.      KARDEC, A. O livro dos Espíritos. (Tradução de Guillon Ribeiro). Versão digital. FEB, 2007, p. 170, Questão 464.

10.  XAVIER, F.C. Op. Cit., p. 98.

11.  Ibidem.

12.  BACELLI, C.A. (Pelo Espírito Inácio Ferreira). Saúde mental à luz do Evangelho. Uberaba, MG: Livraria Espírita Edições “Pedro e Paulo”, 2010, p. 92.

13.  Ibidem, p. 60.

14.  Ibidem, p. 35.

15.  Ibidem, p. 80.

16.  Ibidem, p. 162.
 

                                                


 

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