Depois, no
momento do
nascimento [sob
o ponto de vista
deste mundo], o
Espírito é
obrigado a
deixar o estado
de homeostase,
típico do ventre
materno, onde
não lhe falta
alimento, a
temperatura é
constante, os
sons abafados,
para entrar num
outro mundo,
muito mais
agressivo, com
necessidades,
variações,
ameaças. Apesar
do acolhimento
materno, as
sensações
desagradáveis
são constantes
neste novo
contexto.
Seguindo nosso
desenvolvimento,
vamos deixando a
fase de bebês
para nos
tornarmos cada
dia mais
autônomos:
aprendemos a nos
comunicar, vamos
construindo
novos saberes
através de
nossas
experiências e,
dependendo do
meio onde
estivermos
inseridos, mais
as tendências
que trazemos em
nosso íntimo,
podemos aprender
a lidar com as
perdas que vão
acontecendo ao
longo dos anos,
de uma forma
saudável.
Vamos crescendo
fisicamente e,
no âmbito
psicológico,
entre os seis e
nove anos de
idade, podemos
compreender os
três componentes
básicos do
conceito de
morte: a
universalidade,
a
não-funcionalidade
e a
irreversibilidade
(Kovács, 1992).
Aprendemos, sob
o ponto de vista
material, que
todos morremos e
que, quando isso
acontece, não
funcionamos mais
[o corpo]. E que
isso não tem
volta... Não dá
para “desmorrer”.
(Kovács, 1992).
Em pouco tempo
nos vemos às
portas da
adolescência.
Novamente saímos
de uma fase para
entrar em outra,
ainda mais
complicada. Se
até aqui
possuíamos a
proteção
fornecida pelo
que chamaremos
de latência das
tendências do
material
inconsciente³, a
partir de agora
nossas
tendências
eclodirão,
rápidas e muita
vez
assustadoras.
Temos de
enfrentar o luto
pelo corpo
infantil perdido
e ao mesmo tempo
tentar dar conta
daquilo que
surge em nós,
inesperadamente,
impulsionando-nos
para
determinadas
respostas
emocionais,
nunca
imaginadas. É
neste momento
que muitos pais
se perguntam: “Quem
é este meu filho
que não mais
reconheço?”.
Da adolescência
até a entrada no
mundo adulto são
poucos anos.
Novos desafios à
frente: o
enfrentamento do
mundo
profissional, a
constituição de
uma nova
família, os
cuidados com os
filhos que
chegam etc.
Todas as
experiências
encontram
ressonância na
Lei Maior – Lei
Divina ou
Natural – na
qual estamos
imersos.
Portanto, tudo o
que nos acontece
até aqui e
depois desta
fase tem um
porquê, um
objetivo, uma
meta que, se
compreendida,
tornar-se-á mais
fácil de ser
concretizada.
Seguimos a valsa
da vida e, se
ainda
encarnados,
tornamo-nos
idosos. Vamos
nos aproximando
da reta final de
nossa existência
corporal, tendo
de lidar com os
lutos
relacionados com
esta fase, como,
por exemplo, a
aposentadoria,
que altera
radicalmente a
identidade das
pessoas.
Precisamos
deixar de ser
esse ou aquele
profissional
[médico,
advogado etc.]
para nos
apresentarmos ao
mundo como
‘aposentados’. E
junto desta
perda da antiga
identidade
profissional,
segue a perda de
funções do
corpo, da
vitalidade, da
mobilidade, da
memória etc.
Perde-se ainda,
em muitos casos,
a segurança
material ou
ainda o respeito
dos familiares
que veem nos
idosos apenas um
peso a ser
carregado pela
sociedade, sem
nada de positivo
a realizar pelo
mundo [problema
da cultura
ocidental, como
um todo].
Enfim, como
pudemos
perceber, se
levarmos em
conta apenas os
ciclos naturais
de
desenvolvimento,
teremos diversos
lutos a serem
elaborados, de
acordo com a
fase que
estivermos
vivenciando.
Entretanto, em
cada fase
teremos de
enfrentar não
apenas as perdas
relacionadas ao
estágio em que
nos encontramos,
mas muitas
outras que
surgirão,
inesperadas, a
nos convocar
fechamentos
abruptos de
situações,
vivências,
empenhos. Falo
das diversas
mortes
simbólicas, além
das de ordem
física ou
parental.
Pessoas
significativas
que desencarnam
ou que se
afastam de nosso
convívio,
situações
financeiras que
se alteram,
desligamentos
profissionais,
perda de objetos
importantes etc.
são alguns dos
exemplos comuns
do nosso
cotidiano. A
forma como
lidamos com
todos estes
fechamentos é
individual e
depende,
essencialmente,
de nossa
formação, de
nossa capacidade
para lidar com
estes desafios
existenciais.
Do luto normal
ao patológico
Viktor Frankl,
psiquiatra
austríaco que
teve contatos
com Freud e
Adler, tornou-se
médico em 1930.
Teve uma vida
repleta de
grandes
desafios, sendo
alguns deles
impressionantes,
como, por
exemplo, sua
prisão em campos
de concentração
nazistas. Era
judeu, e foi
prisioneiro de
Auschwitz e
Dachau, onde
ficou detido por
quase três anos.
Ao ser
libertado,
descobriu que
havia perdido
quase toda sua
família – foram
mortos seu pai,
sua mãe, sua
esposa e seu
irmão. Contou,
em entrevista
realizada na
África do Sul,
no ano de 1985,
que quando
esteve nestes
campos vivenciou
muitas dores
físicas e
emocionais, mas
que, em
contrapartida,
percebeu a
necessidade de
se encontrar um
sentido no
sofrimento.
Criador da
logoterapia4,
Frankl ensinava
que o sentido da
vida pode ser
encontrado por
uma pessoa
através de três
caminhos:
1) o exercício
de um trabalho
que seja
importante, ou a
realização de um
feito, uma
missão, que
dependa de seus
conhecimentos e
de sua ação, e
que faça com que
a pessoa se
sinta
responsável pelo
que faz;
2) o amor a uma
pessoa ou a uma
causa, uma
ideia, o que
estabelece uma
responsabilidade
para com a
pessoa amada ou
à causa
defendida;
3) diante de um
sofrimento
inevitável,
assumir uma
postura de
buscar um
significado e
utilidade para a
dor, pois,
através da
experiência,
cada pessoa pode
contribuir para
a vida de outras
pessoas.
“Dentro de cada
um de nós há
celeiros cheios
onde nós
armazenamos a
colheita da
nossa vida. O
significado está
sempre lá, como
celeiros cheios
de valiosas
experiências.
Quer sejam as
ações que
fizemos, ou as
coisas que
aprendemos, ou o
amor que tivemos
por alguém, ou o
sofrimento que
superamos com
coragem e
resolução, cada
um destes
eventos traz
sentido à vida.
Realmente,
suportar um
destino terrível
com dignidade e
compaixão pelos
outros é algo
extraordinário.
Dominar seu
destino e usar
seu sofrimento
para ajudar os
outros é o mais
alto de todos os
significados
para
mim.”
(Frankl, 1985).
Portanto, para
conseguirmos
encontrar este
significado
maior,
precisaremos
compreender a
importância das
perdas em nossas
vidas, retirando
de tais
experiências
muito mais que a
dor vivida, mas,
acima de tudo,
um porquê para
esta dor existir
e os possíveis
caminhos, a
partir de tal
constatação.
No chamado ‘luto
normal’, a
pessoa elabora a
perda,
compreendendo
que o ciclo se
encerrou e, após
um período de
empobrecimento
do mundo a seu
redor, com certo
sofrimento, o
sujeito retoma a
vida em suas
mãos, buscando
ligar-se
afetivamente a
outras pessoas
ou atividades
que tragam
prazer. Um
exemplo clássico
são as viúvas
que passam a se
dedicar a uma
causa religiosa.
Este processo é
tido como normal
e as pessoas que
aprendem a
elaborar suas
perdas desta
forma [desde a
infância] tendem
a repetir esta
maneira de
vivenciarem as
situações de
luto por toda a
vida.
Entretanto,
existe outro
tipo de luto,
muito mais
complicado,
chamado de ‘luto
patológico’.
Neste caso, a
pessoa não
consegue
elaborar a perda
satisfatoriamente.
A não aceitação
da finitude de
uma fase ou de
uma pessoa ou
ainda de um
objeto ou
relacionamento
pode levar o
sujeito a um
estado de
prostração ou
revolta
constante. Em
outros casos,
rebaixa-se a
autoestima e a
pessoa
descreve-se como
não merecedora
de nada de
positivo que
possa vir do
mundo. Trata-se
dos casos de
melancolia,
descritos por
Freud em seu
texto Luto e
Melancolia,
de 1914. Segundo
o pai da
psicanálise, nos
casos da
melancolia, a
pessoa tem um
empobrecimento
do ego e não
consegue dirigir
sua energia, sua
afetividade para
outras pessoas
ou atividades.
(Freud, 1914).
Podemos afirmar,
sob a ótica do
Dr. Viktor
Frankl, que esta
pessoa não
conseguiu
encontrar um
sentido no
sofrimento.
E, alinhavando
com os
conhecimentos
espíritas,
consideramos
ainda que as
experiências
anteriores [de
vidas passadas],
aliadas à forma
que a pessoa
aprendeu a lidar
com as perdas
desde a primeira
infância, acabam
por orientar a
maneira como
elabora os
tantos lutos que
se sucedem
durante a
existência.
Aceitando a
morte para
melhorar a vida
Até aqui já
falamos sobre a
importância de
uma educação
para a morte, no
sentido de se
buscar um
sentido para a
vida. Cabe-nos
dizer, ainda,
que para isso
temos à nossa
disposição
algumas
ferramentas
preciosas. Uma
delas – o
Espiritismo –
amplia nossos
horizontes à
medida que nos
descortina a
realidade
Espiritual –
nossa verdadeira
natureza, nossos
objetivos e
necessidades, a
importância das
relações
interpessoais
para o nosso
desenvolvimento
e do mundo à
nossa volta,
assim como os
possíveis
resultados
destas relações
conforme nossa
atuação neste
mundo. Sabemos,
através da
Doutrina
Espírita, que
somos seres em
constante
transformação,
vivendo inúmeras
existências, num
ir e vir
constante, e
que, a cada uma
destas
existências,
vamos nos
tornando mais
maduros, mais
esclarecidos e,
portanto, mais
próximos da
perfeição –
objetivo final
de todos nós.
Só quando
aceitarmos nossa
finitude,
encarando-a de
frente,
conseguiremos
refletir
satisfatoriamente
sobre a vida que
levamos. Com
isso não
continuaremos
mais ‘levando a
vida’, mas
passaremos a
buscar
compreender o
que a vida
realmente espera
de nós.
Deixaremos de
‘tocar os dias’,
numa rotina
impensada, como
alienados
existenciais,
para atuarmos no
mundo com
objetividade,
encontrando um
sentido para
cada nova
experiência,
sublimando
sentimentos,
transcendendo.
Só assim,
libertos deste
dogma ideológico
que instituiu ao
mundo o silêncio
sobre as
questões da
morte, poderemos
seguir adiante,
livres para
escolher com
clareza e
responsabilidade
aquilo que
realmente é
importante para
nós.
Notas:
1. Distanásia é
a prática pela
qual se
prorroga,
através de meios
artificiais e
desproporcionais,
a vida de um
enfermo
incurável.
Também pode ser
conhecida como
“obstinação
terapêutica”.
(fonte:
Wikipédia).
2. Tem-se
verificado que
alguns
profissionais da
saúde que não
conseguem
elaborar as
perdas dos
pacientes, tendo
nelas um
conceito de
fracasso
profissional,
exigindo-se mais
do que o
possível [e
ideal], podem
apresentar a
síndrome de
Burnout (do
inglês to
burn out,
queimar por
completo),
também chamada
de síndrome do
esgotamento
profissional,
assim denominada
pelo
psicanalista
nova-iorquino,
Freudenberger,
após constatá-la
em si mesmo, no
início dos anos
1970. A
dedicação
exagerada à
atividade
profissional é
uma
característica
marcante de
Burnout, mas não
a única. O
desejo de ser o
melhor e sempre
demonstrar alto
grau de
desempenho é
outra fase
importante da
síndrome: o
portador de
Burnout mede a
autoestima pela
capacidade de
realização e
sucesso
profissional. O
que tem início
com satisfação e
prazer termina
quando esse
desempenho não é
reconhecido.
Nesse estágio,
necessidade de
se afirmar, o
desejo de
realização
profissional se
transforma em
obstinação e
compulsão.
(fonte:
Wikipédia).
3. Segundo os
Espíritos, a
infância é o
período da vida
física mais
importante para
o
aperfeiçoamento
do Espírito
encarnado, uma
vez que suas
tendências
anteriores estão
adormecidas em
função do
processo
reencarnatório.
É no período da
adolescência,
como nos
esclarecem os
Espíritos na
pergunta 385 de
O Livro dos
Espíritos, que o
Espírito
encarnado começa
a retomar suas
características
de Espírito
eterno em
processo de
evolução.
4. A
Logoterapia é um
sistema teórico
– prático de
psicologia,
criado pelo
psiquiatra
vienense Viktor
Frankl, que se
tornou
mundialmente
conhecido a
partir de seu
livro "Em Busca
de Sentido" (Um
Psicólogo no
Campo de
Concentração),
no qual expõe
suas
experiências nas
prisões nazistas
e lança as bases
de sua teoria.
De acordo com
Allport,
"trata-se do
movimento
psicológico mais
importante de
nossos dias". A
Logoterapia é
conhecida como a
Terceira Escola
Vienense de
Psicoterapia,
sendo a
Psicanálise
Freudiana a
Primeira e a
Psicologia
Individual de
Adler a Segunda.
(fonte:
Wikipédia)
Referências
bibliográficas:
ARIÈS, P.; A
História da
Morte No
Ocidente. Trad.
P. V. Siqueira.
Rio de Janeiro:
Francisco Alves,
1977.
FRANKL, V.; A
Descoberta de Um
Sentido No
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Entrevista na
África do Sul,
1985, disponível
no Youtube,
http://www.youtube.com/watch?, acessado
em 11 de
setembro de
2011.
Em
busca de
sentido: um
psicólogo no
campo de
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Petrópolis:
Editora Vozes,
1991.
FREUD, S.; Luto
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Edição Standard
Brasileiras das
Obras Completas
de Sigmund
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Rio de Janeiro:
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[1915]/1974.
KARDEC. A.; O
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sesquicentenário,
FEB, Rio de
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KOVÁCS, M. J.;
(org) Morte e
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Humano. São
Paulo: Casa do
Psicólogo, 1992.
PAIVA, L.E.; A
Arte De Falar Da
Morte Para
Crianças: A
Literatura
Infantil Como
Recurso Para
Abordar a Morte
Com Crianças e
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Aparecida, SP:
Ideias e Letras,
2011.
PIRES, H.;
Educação Para a
Morte. São
Bernardo do
Campo: Correio
Fraterno do ABC.
5ª edição, 1996.
QUINTANA, A.M.;
Morte e Formação
Médica: É
Possível a
Humanização?; in
Santos
(organizador),
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Morrer – Visões
Plurais;
Bragança
Paulista. SP:
Editora Comenius,
2009.
TORRES, W.C.; A
Criança Diante
da Morte:
Desafios; São
Paulo: Editora
Casa do
Psicólogo, 1999.
(A primeira
parte deste artigo
foi publicada na
edição passada
desta revista.)